As águas puras da vida eterna

As cores deste sonho estampam o clima gostoso da brincadeira. Tudo tem curvas e formas arredondadas. A luz consegue ser brilhante e suave ao mesmo tempo… Como é lindo o mundo da criança. Na imensidão do céu azul, nuvens branquíssimas e rajadas como que desenhadas por um pincel gigante. Pipi corre num tapete fofo de grama. As flores dançam acompanhando a brisa, enquanto os coelhos esbanjam disposição.

O menino brinca de mangueira com seus pais. Pipi direciona a água para o alto como se tentasse dividir a alegria do momento com todo o jardim. O Sol presenteia o gesto com um belo arco-íris. De repente a claridade se amplia, tomando conta de tudo, o menino vê uma janela aberta. É sua mãe, abriu as cortinas sem fazer barulho e se aproximou da criança cobrindo-lhe de carinhos.

Depois de cumprir as rotinas matinais, Pipi se senta à mesa para tomar café. Seu pai o esperava com um suco servido. Entrega a caneca de bichinho e lhe dá um beijo na testa bem barulhento. A criança que estava ainda sonolenta, abre meio sorriso.

— Sonhei que estávamos na praia. Não vejo a hora de sair de férias.

Comenta à mãe enquanto se senta à mesa e serve seu café.

— Ficaria contente se ao menos pudesse sonhar. Há anos não tenho um sonho. — Responde o pai.

— Nossa. Tanto assim?

— Não tenho uma data exata, mas realmente não consigo lembrar de sonhar faz muito tempo. E olha que eu gostaria.

Pipi parece distraído bebendo seu suco. A mãe olha para o relógio e se apressa.

— Hora de sair, querido. Já estamos atrasados. Vai escovando os dentinhos enquanto pego sua mochila.

A escola ficava bem perto de casa, por isso geralmente sua mãe o levava a pé. Ele gostava do trajeto, pois era uma oportunidade de observar o mundo fora de seu lar, perceber coisas diferentes e assim expandir sua pequena bagagem a cerca do que começava a compreender por existência. Faltava apenas mais calma para poder apreciar melhor o trajeto, mas já era costume a correria.

Essa semana começava com novidade. Um carro estacionado na esquina da escola com um banner todo colorido sobre o veículo e assegurado por um senhor usando touca que atendia as pessoas que se aproximavam. O alto-falante do carro anunciava o seguinte:

“É o carro do sonho. Sonhos fresquinhos para todos os gostos. Aproveite! É só chegar.”

Instantaneamente Pipi abre um sorriso ao ouvir a mensagem e logo puxa a saia de sua mãe. Neste momento, o celular toca e ela não consegue dar atenção ao pequeno, encerrando a ligação somente ao chegarem no portão da escola.

— A mãe vem te buscar de tarde, tá? Um bom dia meu filho!

Ganhou um abraço caloroso e curto, nem conseguindo dizer nada à ela.

A acolhida dos amigos e da professora compensaram aquele sentimento de despedida. Assim que concluiu o primeiro pega-pega do dia, parou ao lado da professora e perguntou:

— Pofe, me leva naquele carro ali fora?

— Ai, amado! A mamãe precisa trabalhar. Logo, logo ela volta para te pegar, viu?! Vamos brincar e aprender muito hoje, a profe não vai te liberar antes disso. Entendido?

Não era bem o que ele esperava, porém ouvir da professora que sua presença é importante até o fez esquecer do pedido.

Se o grupo de pequenos heróis encontrava-se reunido, significava que a temporada de aventuras estava aberta. Durante o dia as crianças vivem incontáveis desafios e os mais variados personagens. São muitos resgates, duelos, missões, busca ao tesouro, descobertas… O que não pode faltar é diversão, sem isso a brincadeira não valeu. Logo depois do soninho do almoço, Pipi lembrou que ainda não tinha buscado o presente especial que queria dar a seu pai.

Diferente dos adultos, os pequenos não precisam de muitas explicações para que se entendam. Com poucos gestos e palavras os amigos já haviam compreendido a tarefa. Então criaram um plano: Fugir da escola e buscar um sonho! O problema é que estavam cercados por todos os lados, eram muitos gigantes e portas para passar.

Gabi, agitado e de voz alta, pensou um pouco e logo entendeu o que precisavam. Explicou ao grupo que bastava uma super velocidade e então ninguém o seguraria. Concluído isso, a dúvida foi: como ele ganharia essa super velocidade?

A pequena Mari sugeriu que cada um presenteasse o amigo com algum item que pudesse ajudar. Entregou à ele seus tênis brilhantes, pois a deixavam muito veloz. Gabriel deu-lhe sua manta que flutuava no vento, Rafa emprestou seu anel mágico, Samuca não tinha nada, mas lembrou que na sua garrafinha tinha sobrado um pouco do que sua mãe chamava de “elixir da vida”, então Pipi bebeu tudo até o fim. Devidamente equipado, posicionou-se para a corrida mais rápida de sua vida.

No entanto, o plano foi interrompido por um choro estridente. Era Pedro, um amiguinho de outra sala. Ele tinha acabado de montar um gigante caminhão de lego, mas acabou desmontando ao tentar transportar o brinquedo. A máxima deles foi lembrada nesse momento. Pensaram que se um amigo não estava se divertindo, então a brincadeira precisava melhorar.

Rapidamente foram juntando as peças espalhadas pelo chão e dando forma a um novo, e ainda maior, caminhão. Virou praticamente um Motorhome, pois se entusiasmaram tanto na construção que não pouparam esforços para fazer daquela tarefa uma obra incrível.

O dia estava chegando ao fim. A mãe já estava na metade do caminho quando o pai cruzou por ela, nem parou, pois como sabia que logo estaria em casa com Pipi, apenas buzinou. Mas inesperadamente começa a chover. O final da tarde ensolarado surpreendeu a todos com tanta água. Ela correu para o primeiro abrigo que avistou na calçada. Ao perceber a chuva, o pai imediatamente deu a volta e foi ao seu encontro.

Tamanha foi a alegria de Pipi porque, excepcionalmente nesta tarde, seu pai e sua mãe chegavam juntos na escola para buscá-lo.

O mais estranho foi que a chuva cessou no momento em que saíram. Pipi aproveitou o silêncio dos pais, pasmos com a mudança do clima, e pediu:

— Me levem naquele tio, por favor?

E foi logo apontando para a banquinha móvel. Depois daquela chuva repentina, um dia intenso, Pipi na maior felicidade e um frescor gostoso no ar, pensaram que um doce talvez não fosse má ideia.

A criança foi na frente, ansiosa para fazer o pedido.

— Oi!

Estacionar próximo a escola foi uma boa opção, pois o carro de sonhos recebeu muitos mini clientes naquele dia. Por isso o vendedor estava bem animado.

— Olá, amiguinho! Como vai? Gosta de sonho, então?

— Eu gosto. Os meus sempre são legais. Por que os teus tem cheiro de doce?

Os pais se olham um pouco desconfiados.

— E existe sonho salgado? Eu tenho aqui de mumu e creme. Qual gosta mais?

Pipi olha sério para o senhor e não responde nada. A mãe interfere:

— Na verdade nunca levamos ele para comprar sonho.

O menino então comenta:

— Nãaaao… é o papai que vai escolher. Eu sim sonho todo dia. Papai, escolhe um bem alegre pala acodar feliz.

Tocado com a atenção e cuidado do menino, o pai sente no mais profundo do seu íntimo que de alguma forma está fazendo a coisa certa. Sorri para o filho e o abraça. A mãe se deslumbra com o gesto e olha para o vendedor, apreensiva que diga algo que possa roubar a pureza da criança. O vendedor abaixa e se iguala em altura com o menino.

— Ah… Agora entendi. Estava pensando que era para você. Vou separar o sonho mais bonito para o seu pai, mas acho que você deveria levar um também. Sabe por quê?

Pipi balança a cabeça.

— É o seguinte: o sonho está dentro deste doce, você leva para casa e come. Quando for dormir vai ter um sonho maravilhoso. Se os 3 comerem, talvez tenham o mesmo sonho. Que tal? Quer tentar? Escolhe um…

Pipi se anima com a ideia e aponta para um dos doces.

A família segue para a casa com sonhos renovados. Para Pipi, o problema de seu pai estava resolvido, suas noites não passariam mais em branco. Enquanto que seus pais compreenderam que basta um olhar limpo e despretensioso sobre a vida para poder enxergar a beleza nas pequenas coisas, perceberam que é possível construir novos e melhores dias de dentro para fora. Sentiram-se privilegiados em experienciar a grande missão que é educar um ser humano, ao mesmo tempo, sentiram ainda maior a responsabilidade de conservar todas as coisas boas que aquela pequena alma já portava e dar-lhe o que for necessário para que cresça e se desenvolva agregando valores que não possam ser tirados, valores que transpassem os tempos e que o formem indivisível.

A criança expressa naturalmente pureza, bondade, coragem, sinceridade, espontaneidade e tantas outras virtudes que, por processos mecânicos do cotidiano, podem ser ofuscadas. Quantas vezes isso pode ter acontecido sem que eles notassem? Quantas oportunidades perderam por lhes faltar clareza? Quanto ainda podem alcançar como pessoas verdadeiramente humanas?

“Às crianças que se deixe uma boa herança,
antes de consciência que de ouro”
Platão

Autora: Daiana Grasiela Barbosa Meotti

 

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