Nascimento e morte do homem tecnológico – Jorge Ángel Livraga

Esta conferência foi ministrada no ano 1982 e o autor usa o termo "homem" no sentido genérico, como "humanidade" ou grupo de seres humanos.

O tema de hoje é um daqueles temas que dariam a oportunidade de comentar por muito tempo porque, se fôssemos tratar da história real do nascimento do homem tecnológico, teríamos que voltar ao período Paleolítico, onde ao bater uma pedra em outra as primeiras lascas foram produzidas. Esses instrumentos são polidos, suas bordas são aparadas, são moldadas como se fossem mordidas e vai aparecendo o que denominamos de período Mesolítico, e depois dele, o Neolítico. Posteriormente, o homem descobrirá metais, através dos aerólitos, encontrará ouro, prata e mercúrio para fazer amálgamas, e esta época será chamada de Idade do Metal.

Depois, o Homem começará a usar as duas mãos e manusear vários elementos. Assim nascem os primeiros mecanismos: aparece a roda, mas não sabemos quando aparece, aparece a roldana, através do qual grandes objetos podem ser movidos, aparece a alavanca, surgem os famosos princípios como os de Arquimedes, quando disse que com um ponto de apoio poderia mover o mundo. Há uma série de elementos que demorariam muito para serem comentados e detalhados, e que criarão a psicologia do homem tecnológico.

O século XIX nos ensinou que o Homem evoluía, que ele não era um ser estático, não era uma criatura ideal de Deus que não se movia, que não se aperfeiçoava e que apenas a repetição de certas fórmulas poderia levá-lo ao êxito. Sim, esse Homem poderia evoluir, e foi até mesmo “colocado” dentro do reino animal como um mero mamífero superior. E aqueles restos que não foram encontrados, referentes à relação entre os hominídeos e o homem atual foram chamados de “o elo perdido”. Foi o famoso crânio de Piltdown que provou que o Homem descendia de um hominídeo muito semelhante ao macaco. Na última Guerra Mundial, este crânio foi mantido nos porões mais secretos do Museu Britânico acima de todos os grandes valores culturais da antiguidade, até que por volta de 1950 se aplicou a ele a técnica de carbono 14 e se comprovou que o homem de Piltdown nunca existiu, que era uma piada de alguns estudantes, que tinham reunido partes de um osso parietal de macaco, com um maxilar de um homem negro e alguns dentes encontrados ao redor, colocaram alguns elementos do Paleolítico nas proximidades e assim o homem de Piltdown foi formado.

Também não temos uma ideia ou fórmula chave que possa determinar por que se formam as células, os tecidos e os órgãos ou por que uma criança para de crescer em um determinado momento. Sabemos que isso acontece porque há glândulas internas que param de funcionar, mas por quê param de funcionar? Porque todos temos um relógio biológico dentro de nós. Mas o que impulsiona esse relógio biológico, o que está por trás de toda nossa programação genética?

As perguntas feitas de maneira filosófica estão demolindo essas declarações que parecem muito profundas, muito elaboradas, e que são a causa de grossos livros que tivemos de aceitar gentilmente nas faculdades ou no ensino médio. A verdade é que por trás desses livros não há realidades de peso, mas evidências mais ou menos inventadas ou acomodadas, expressas em linguagem especial.

É como a linguagem que os filósofos de hoje usam para nos dizer que, por exemplo, esta cadeira não tem Ser, mas uma coisidade quanto à coisa em si. Aquele que não está acostumado com essa terminologia, diz: “Que extraordinário, a coisidade da cadeira quanto à coisa em si, que é a coisa e não é o Ser, é assim que falam!” O que eu disse? No fundo, nada! Simplesmente, sugeri que a cadeira, porque não é um ser vivo – se considerarmos seres vivos os que respiram, se alimentam, se reproduzem – não teria uma alma como nós temos. Isso é tudo o que eu quis dizer, mas aplicando essa linguagem, esse tipo de acordo semântico, pode confundir e confundir-se. É por isso que na Acrópole tentamos falar muito claramente, de uma forma quase infantil. Alguém maior do que nós, Cristo, disse que tínhamos que voltar a ser como as crianças para poder alcançar o reino dos céus. Também acredito, de certa forma, que temos que voltar a ser como crianças, a falar, pensar e sentir como crianças para, se não chegar ao reino dos céus, pelo menos chegar a nós mesmos.

Assim, a primeira pergunta sobre qual é a origem do Homem permanece sem resposta, já que existem muitas teorias. Mas há outra questão sobre a evolução que pode ser usada como hipótese de trabalho: a evolução é contínua e linear, como foi dito no século XIX? Porque no século XIX a teoria era muito fácil: em um certo lugar, o homem se estabeleceu e colocou sua indústria lítica; mais tarde, depois desta indústria de escultura de pedra, o homem começou a malhar os metais. O primeiro metal que malhou foi o cobre, daí o nome do período Calcolítico, de chálkos,“cobre”, e litos,“pedra”, “cobre tratado como pedra”. Em seguida, vem o estágio dos metais propriamente ditos, onde diferentes métodos são usados, como a “cera perdida”; então virá a era das máquinas, a evolução das máquinas, até chegar no século XIX, para o denominado mundo positivo, o mundo científico e tecnológico.

Essa torre arqueológica é uma mera invenção. A arqueologia atual mostrou, sem dúvida, que isto não é assim. Vamos imaginar um lugar na China onde, desde a Antiguidade, poderia ter se desenvolvido uma grande indústria de bronzearia, contudo, hoje poderia ser um deserto ou habitado por pessoas que vivem praticamente na Idade da Pedra.

Há três dias voltei do Egito, onde visitei os Acropolitanos que estão em Alexandria, mas… quem pode resistir a navegar no Nilo! Então fomos para Luxor, que na Antiguidade se chamava Tebas, e novamente navegamos em suas águas e vimos novamente aquelas maravilhosas ruínas, aquelas colunas que ainda não sabemos hoje como foram erguidas. Um computador japonês, uma vez programado com os dados que são conhecidos, disse que o telhado do templo de Karnak foi feito no chão; então, tudo foi levantado ao mesmo tempo; e, finalmente, foram colocados os cilindros das colunas. Parece que este computador estava em seu melhor dia e é por isso que deu uma solução um pouco estranha: levantar o telhado primeiro, e depois ir colocar as colunas. É contrário à razão, mas foi o que a máquina previu.

Naquele lugar, onde, sem dúvida, deve ter havido uma indústria e uma população enorme, pois além das grandes colunas e dos grandes templos, há obras de irrigação, restos de estradas, cerâmicas, bronzes e utensílios que demostram haver tido uma grande civilização, hoje há uma pequena cidade e alguns camponeses. À medida que o avião se aproxima de Luxor, vemos um grande, um enorme quadrado no deserto, que era Tebas, que eles chamavam de “a cidade das cem portas”. Os egípcios não eram tolos, ou seja, eles não iam colocar uma porta ao lado de outra, então uma cidade que tem cem portas é porque é muito grande. Do avião se pode ver a enorme planta da cidade, e em um pequeno canto, à beira do rio, se encontra Luxor. Se fosse verdade o que nos foi dito no século XIX, sobre as ruínas da antiga Tebas, estaria Nova York, a evolução teria levado a ter agora os maiores arranha-céus do mundo, ser o país mais poderoso do mundo, ter uma miríade de carros e um grande desenvolvimento tecnológico.

Mas parece que existe uma lei dos ciclos que rege todos os seres manifestados. Vimos que hoje havia luz, era dia, agora é noite, amanhã o Sol vai nascer novamente. Mais uma vez estamos usando roupas mais pesadas, já é outono, começou a chover, e está frio, o inverno está chegando, e ainda assim até recentemente estávamos morrendo de calor. E então o calor virá novamente. Ou seja, existem ciclos, e dentro deles estão os ciclos históricos. E esses ciclos históricos são os que forçaram, com sua trama, que nos lugares onde havia importantes assentamentos da civilização hoje há desertos, e em outros lugares onde havia apenas rochas e mar, como é o caso de Nova York, hoje é a maior cidade do mundo, ou pelo menos uma das mais impressionantes.

Isso nos faz entender a história de uma forma muito mais dinâmica e ver que o homem tecnológico é simplesmente um dos muitos homens que poderá ter existido. Não temos certeza de que o homem teria sido uma espécie de macaco ou hominídeo, que andava de quatro e que, eu não sei por qual milagre, de repente se pôs na vertical; sua coluna vertebral foi modificada; como ele não precisava mais de uma cauda, ela caiu; ele começou a mover a cabeça, e de tanto movê-la – alguns dizem que a função faz o órgão – começou a crescer, e assim ele tinha mais cérebro; ao ter mais capacidade de pensar, começou a usar instrumentos; de lá nasceu Homo sapiens, e a partir deste, o «Homo tecnologicus».

Por exemplo, havia um relógio enorme em Alexandria, muito famoso, um imenso mecanismo de relojoaria com lâmpadas coloridas, no qual havia uma estátua articulada de Hércules com sua clava, grande, em tamanho real, e de acordo com as horas do dia, aparecia lutando com a hidra, com o leão… de acordo com cada um de seus doze trabalhos. Há nada menos do que dez comentaristas romanos que falam sobre este famoso relógio de Alexandria: sobre a parte mítica, sobre o que se queria representar, sobre a parte religiosa, sobre o efeito psicológico produzido sobre as pessoas ao ver essa maravilha, sobre os viajantes, os comentários dos viajantes quando eles chegavam em Alexandria…, mas eu não encontrei um único autor que nos dissesse quem construiu o mecanismo do relógio. Por quê? Porque o caráter era diferente; naquela época, o importante não era o mecânico que tinha feito o relógio, mas o que ele queria transmitir em um nível religioso ou artístico.

Embora o Homem seja desde sempre tecnológico, porque sempre usou a técnica (ele é desde sempre psicológico, porque sempre se preocupou com os problemas da psicologia, mesmo que não lhe chamasse de psicologia; ele é desde sempre filósofo; é pintor desde sempre; e é escultor desde sempre), o verdadeiro homem tecnológico aparecerá muito mais tarde. Na Antiguidade, este homem tecnológico praticamente não é encontrado, e não apenas na Antiguidade da bacia do Mediterrâneo, mas também nas grandes culturas da Ásia e da América; não há um caráter técnico, as pessoas não se importavam com isso.

Há pequenas peças da época Chimu, uma das culturas que havia no Peru, que são feitas de um metal muito raro. É uma liga de ouro e cobre, mas não é feita como faríamos hoje, mas com uma técnica completamente diferente. Entre as culturas peruanas era chamado huanín, e as culturas colombianas chamavam-na de tumbaga. Há tradições sobre seus efeitos mágicos, sobre as figuras que foram feitas com ele e sobre o poder dos amuletos feitos com este metal. No entanto, ninguém nos deixou sua fórmula. Não havia preocupação tecnológica.

Quando o homem tecnológico aparece? A Psicologia, o pensamento do homem tecnológico, aparece no Ocidente em nossa Idade Média. Na bacia do Mediterrâneo, após a queda do Império Romano, os homens ficaram isolados como células, há uma espécie de grande separatismo geral, já que não há nada que os una. Antes havia o Império Romano, bom ou ruim, não vamos discutir agora esta questão, que reuniu as pessoas através de uma moeda que era geralmente a mesma, embora permitissem moedas locais respondendo a um cânone comum; através de uma língua oficial, que era o latim, embora permitissem que os diferentes idiomas dos diferentes lugares fossem falados; através de um estilo arquitetônico extraído das três ordens gregas, que foram aplicadas em todos os lugares, e que eu vi na África, na Ásia, na Europa, em todos os lugares onde chegaram; através de uma determinada forma de armas, uma maneira de vestir e um estilo de vida.

Um autor italiano de meados deste século disse que os romanos tinham sido de alguma forma a civilização do vinho. Por quê? Porque para onde iam, carregavam o vinho. Suas ânforas de vinho apareciam em todos os lugares. Eu vi uma pequena jarra de vidro, em forma de um monte de uvas, que foi feita no Egito, mas sob o domínio romano. Este culto às uvas, ao vinho, se deu principalmente com o advento dos romanos, e não porque os egípcios não conhecessem o vinho, pois nas antigas tumbas das primeiras dinastias há representações de homens coletando uvas e dançando sobre eles de forma ritual para fazer vinho, mas com os romanos ele aparece como algo cotidiano, como algo público.

Na Idade Média o vinho é sacralizado, torna-se o sangue de Cristo. O Homem pensa de maneira diferente. Centros de resistência ao vandalismo serão criados, já que os homens agora não têm mais uma organização, eles não têm mais um estado que os centralize. Os castelos se erguerão, com o senhor feudal e os vassalos, que vivem dentro do muro e trabalham fora, nos campos. Mais tarde, à medida que a população cresce novamente, começam a construir casas que foram apoiadas, não apenas no interior do muro ao redor do castelo, mas no lado externo, começam a construir uma espécie de cultura de extra muros. Os antigos portos são reabertos, as estradas antigas são refeitas, os mercados aparecem e as trocas são incentivadas.

O homem que costumava fazer sapatos para si mesmo e sua família descobre que ele sabe como fazer bons sapatos e que os outros não são bem calçados, então ele pensa em criar uma loja de sapatos. Esse Homem começa a ter uma mentalidade tecnológica, pois para poder trabalhar na loja de calçados tem que utilizar, além de necessitar de funcionários, uma série de ferramentas e elementos que o ferreiro lhe fornecerá; e o ferreiro, para fundir seus pregos e suas armas precisará de bigornas, foles e aparelhos que lhe deem, mecanicamente, a possibilidade de não fazer um único martelo ou uma enxada para ele ou sua família, mas para fazer milhares de enxadas, foices, facas… Assim nasce o Homem tecnológico, o Homem que usará a máquina de forma quase exaustiva.

No Renascimento, chamado na Itália Cinquecento, descobriremos que essa necessidade de expressão através da máquina atingirá a intelectualidade. Todos se lembrarão de Leonardo da Vinci com suas tentativas de voar, navegar debaixo d’água, andar mais rápido do que todos, estar blindado contra tiros, de poder ser capaz de fazer canhões que não arrebentem; são famosos seus desenhos. Trabalhou, entre outros, para o Duque Ludovico Sforza, o Mouro, e na corte de César Bórgia, onde chefiou suas fortificações. Ele será então protegido do rei francês Francisco I, no Castelo de Clou; com ele trabalharão um grupo inteiro de pessoas que darão, cada vez mais, importância a técnica.

Vamos encontrar fontes de onde, misteriosamente, fluem água. Na verdade, não são mais do que vasos comunicantes, mas para as pessoas é algo incrível. Transforma-se em magia, mas não é mais uma magia psicológica ou espiritual, nem baseada nos Deuses, mas é baseada em máquinas, nos aspectos técnicos.

Curiosamente, quando o telégrafo e a ferrovia foram inventados, pensou-se que tudo já estava inventado. Então os aviões e certas armas mais sofisticadas vieram, e acreditava-se que não havia mais nada para inventar, mas a penicilina fora descoberta e tantas outras coisas mais.

Isso acontece com todos nós. Muitas vezes com meus discípulos, que estudaram a constituição setenária do Homem como eles a consideravam no Egito antigo ou na Índia, rimos muito quando alguém tem um acidente com o carro e diz: “Eu tive o para-choque amassado”, esquecendo que não temos um para-choque que possa ser amassado, como o do carro. É tanto o que se identifica com o carro que chamamos de “oitavo corpo”, e além dos sete corpos que os antigos dizem que temos, temos um oitavo, o carro. Em outras palavras, temos uma enorme dependência de máquinas e técnicas. Mas não só fisicamente, isso não seria nada; o problema é que essa mecanização entrou em nossas almas, psicologicamente, mentalmente, sentimentalmente, e em vez de manusearmos as máquinas, as máquinas começam a ditar ordens que deveriam ser executadas para nós.

O homem começa a se robotizar, começa a adquirir as características da máquina. Vejam só os robôs mecânicos que foram feitos no século XVIII, que eram puramente humanos, até os vestiam como bonecas e realizavam uma série de tarefas, incluindo jogar xadrez. Estou falando dos famosos robôs que Luís XV e Luís XVI tinham em Versalhes. Mas hoje não. Hoje vemos os robôs de forma diferente, com outras formas: figuras técnicas, com arestas, com planos, mas nós também começamos a vestir e utilizar coisas que têm arestas e que são planas; começamos a pensar de maneira plana e a nos controlarmos com arestas. O homem tecnológico existe hoje não só no físico, mas no psicológico, no intelectual, no espiritual.

Tínhamos falado anteriormente que uma cadeira tinha coisidade, mas não tinha Ser, e se não tinha Ser, não tinha alma, e ao não ter alma, não a podemos pensar como algo imortal. Platão disse uma vez que o homem que se identifica com a cadeira onde ele se senta dura tanto quanto aquela cadeira. E isso é uma grande verdade. Platão viu, há dois milênios e meio, o que poderia acontecer no mundo hoje. O homem identificou-se tanto com a matéria, com os planos materiais, com os objetos materiais, com o ambiente material, que ele também se tornou material; acredita que tem coisidade, que não tem alma. Tem um terrível medo da morte porque não se crê imortal, e se é um crente, simplesmente tem esperança – a própria palavra diz: crente, aquele que crê – que não vai morrer, que continuará a viver, mas é uma esperança, não é um conhecimento.

O homem se tecnificou, nossos relacionamentos foram tecnificados, e essa tecnificação do Homem foi idealizada para trazer felicidade para todos. O que costumava acontecer com os vegetais quando eles não estavam mais na estação? Eram jogados fora, pois apodreciam. Mas a embalagem a vácuo foi inventada e assim se diz que a técnica nos permitiu comer cenouras o ano todo. Magnífico! O frio nos permite comer ovos de galinha postos há um mês. Maravilhoso! A técnica nos permite falar ao telefone com uma tia, com um irmão, ou com a noiva, que não está na Espanha, mas em Paris, e assim ser capaz de ouvir sua voz. Que felicidade! Acreditávamos que seríamos felizes com tudo isso.

Mas esquecemos que, com estas coisas benéficas, apareceram as armas, a parte destrutiva, as bombas atômicas, os pequenos explosivos que estão sendo usados, infelizmente, hoje na Espanha, e que são tão terríveis. Ou seja, a parte tecnológica tem uma parte positiva e negativa, e o homem é, em última forma, responsável por tudo isso. Como o homem é, será sua tecnologia e seu instrumento. Uma barra de ferro nas mãos de um homem trabalhador é uma alavanca que é movida, que dá trabalho, que transporta, mas nas mãos de um assassino se torna uma arma perigosa. A barra é boa ou ruim? A barra não é boa ou ruim, depende de quem a maneja.

É daí que vem o fracasso do homem tecnológico. À medida que o século XX avança, este Homem que tem imprensas fabulosas, que podem fazer milhares de cópias em minutos, percebe que essas milhares de cópias não podem alcançar milhões de homens. Este Homem, que havia criado uma série de elementos que podem preservar os alimentos, encontra problemas econômicos e de subestruturas que fazem com que hoje, na atualidade, haja um bilhão de pessoas que estão praticamente morrendo de fome.

Ao longo desta pequena conversa de 40 ou 50 minutos, centenas e centenas de pessoas já morreram de fome em muitas partes do mundo. Por quê? Porque a tecnologia fracassou. Porque ela não consegue chegar a esses homens. Hoje temos televisão, certo, mas às vezes você tem que desligá-la porque o que aparece é estúpido ou pornografia. Hoje temos filmes, é a verdade, mas às vezes não vale a pena pagar para entrar no cinema, porque eles são péssimos ou porque estão nos mostrando atos comuns da vida que já conhecemos e que, francamente, vê-los em um filme é para pessoas viciosas e não para pessoas normais.

Temos uma demonstração palpável, cotidiana e pessoal de que a tecnologia não vai nos salvar, não vai nos redimir, não vai nos trazer felicidade. O homem tecnológico começando a decair. Com os movimentos ecológicos do século XX começam a aparecer grupos de pessoas que querem investigar as velhas ciências novamente e que querem preservar a Natureza. A tecnologia foi levada a tal extremo pelo Homem que ele não foi capaz de conhecer a si mesmo ou controlar-se, posto que contaminou as águas e os ares.

Tem-se chegado a uma tal saturação demográfica que em alguns pontos é verdadeiramente desmedida, enquanto em outros há grandes desertos. E o homem, ainda que viva ao lado do homem, em grandes cidades, está sozinho. Quando um de nossos avós gritava em uma aldeia, todos ao redor acorriam e diziam: “Qual é o problema? Por que gritou? O que está acontecendo homem? Hoje, tente gritar em um andar do edifício. Os outros fecham as portas e as janelas para que não sejam atingidos. Pensamos que a tecnologia iria nos comunicar. Não, não podemos nos comunicar. A tecnologia simplesmente nos faz perceber um ou outro, mas não faz chegar à uma comunicação real. A tecnologia é útil, sim, mas não vamos dar-lhe o papel de uma espécie de redentora espiritual, não vamos dar-lhe mais importância do que ela pode ter.

Assim, o homem tecnológico fracassou neste século, e todos nós sentimos a necessidade da criação de outro tipo de Homem, o que chamamos de Homem Novo. Não podemos continuar nesse ciclo de violência, de pobreza progressiva, neste ciclo onde vemos que há cada vez mais pessoas analfabetas no mundo, onde cada vez mais ocorrem horríveis genocídios, onde estamos cada vez menos seguros quando caminhamos pela rua, onde não sabemos se, ao voltarmos para nossa casa terão forçado a fechadura e, dentro, um louco estará esperando por nós. De tanto estudar as máquinas, esquecemos de estudar o homem.

Temos que voltar a estudar o homem, temos que nos conhecer novamente, tem que ressurgir de nós a força espiritual, que é aquela que eventualmente fez até mesmo as grandes maravilhas tecnológicas, porque as pirâmides do Egito ou Notre Dame de Paris ou o Escorial da Espanha, não foram construídos com base em ideias materialistas tecnológicas, mas em ideias espirituais. Foram feitas por homens que acreditavam firmemente, com conhecimento interno, em Deus, e em sua alma imortal. Quando voltarmos a esse conhecimento interior, quando acreditarmos que Deus está em nós novamente e vermos verdadeiramente nossa vida como parte de um imenso ciclo de vida que passa através dos tempos, quando sentirmos que não somos apenas um pouco mais do que poeira na história, mas que somos elementos úteis e vitais que podem abrir as portas do futuro, teremos ultrapassado o homem tecnológico. Então o Homem Novo, um homem imbuído de amor, de companheirismo e de compreensão para todos os homens, terá aparecido.

Convido a todos aqueles que acreditam e sentem bater dentro de seus corações essa necessidade do Homem Novo, para continuar a vir à Nova Acrópole e colaborar de todas as formas possíveis para tornar este Homem Novo uma realidade. Isto não é um sonho fantástico. Hoje Nova Acrópole está em mais de vinte cidades na Espanha. É uma realidade. Podemos mais uma vez ter juventude interior, esperança, fé, podemos apertar as mãos novamente, como amigos, todos os homens do mundo.

Precisamos propor isso e entender que precisamos trabalhar uns com os outros. Porque é triste que ladrões, mafiosos e traficantes de drogas estejam dando lições para pessoas honestas; o fazem porque se apoiam uns nos outros, eles se organizam. Em troca, as pessoas honestas caminham sozinhas na vida, hoje ouvem uma coisa, amanhã outra, hoje leem um livro, amanhã outro; estão em eterna dúvida do que fazer, do que não fazer. Temos que superar essa dúvida, temos que parar com essa oscilação. Temos que marchar sempre para cima e para a frente, ao encontro de nossa acrópole interior e nossa acrópole externa, que está em cada um de nós, filhos de Deus, nosso Senhor.


Referência do artigo: Transcrição de conferência ministrada em 23 de outubro de 1982 na sede da Nova Acrópole, Gran Vía 22, Madri - Espanha.
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