O dia estava lindo… Dara admirava o local onde a festa se realizava: céu azul, árvores com folhas em diversos tons de verde bailando com o vento, pássaros, borboletas e outros animais também estavam presentes naquele lugar, mas ninguém percebia isto. Risos, abraços e muitas vozes tomavam conta do local. Mesmo no meio de muitas pessoas, ela se sentia sozinha… De repente, assustou-se com uma mão em seu ombro e uma voz:
– Dara, você continua “viajando” em pensamentos?
Era Gabriel, um velho companheiro que há muito não via. Dara olhou para ele com brilho no olhar, aquele brilho que revela admiração e contentamento, e os dois se abraçaram. O encontro dos corpos e dos corações se transformou em luz, uma luz imperceptível aos olhos comuns.
Dara e Gabriel eram grandes amigos. A amizade dos dois não era acorrentada pela necessidade da presença constante. Eles pouco se viam, mas quando se encontravam, “viajavam” em conversas sobre temas que aqueciam o coração e a mente em uma harmonia de pensamentos. Gostavam de conversar sobre a vida, analisar situações e partilhar vivências. Os diálogos que teciam alimentavam a alma de cada um deles. Gabriel costumava dizer que o que falavam abria um portal para o universo.
– Gabriel, como é bom reencontrar você! Continuo “viajando” em pensamentos. E você, como está?
– Agora estou melhor! Sabia que você estava aqui e corri para te encontrar. Me disseram que você devia estar “conversando” ou abraçando as árvores. Sorri e disse que ia fazer o mesmo junto com você. Eles riram e falaram que quando nós, os ET’s, nos encontrávamos, ninguém aguentava as nossas conversas loucas!
Dara e Gabriel sentaram perto de uma árvore e ficaram conversando por muito tempo. Depois, se juntaram ao grupo e, como sempre, ouviram as piadinhas sobre os dois. Os amigos gostavam muito deles, mas achavam que eram muito diferentes.
Ao entardecer, Dara resolveu andar pelo bosque. Algo inquietava o seu coração. Um sentimento de vazio incompreensível a incomodava. Desde pequena, ela sentia isso, mas nos últimos tempos muita coisa havia mudado em sua vida e estas mudanças trouxeram com elas uma sensação de tranquilidade, mas também uma intensa inquietude. Dara era assim: andava, conversava com as plantas, com os animais, com o vento… Tudo o que ia encontrando em seu caminho era, para ela, a revelação da presença divina.
Ela sentiu uma brisa tocar o seu corpo. Era uma sensação tão deliciosa que resolveu sentar-se perto de uma árvore e aproveitar aquele momento. Fechou os olhos, respirou profundamente e, de repente, surgiram em sua mente dois olhos que a fitavam profundamente.
Dara assustou-se e, com o susto, despertou. Seu coração pulsava intensamente. Levantou e resolveu voltar para o local onde estavam as outras pessoas. Seus passos estavam acelerados. A imagem dos olhos não saía de sua cabeça e agora a única coisa que queria era chegar bem rápido aonde todos estavam.
– Dara, por que corres? Apenas quero conversar com você.
Aquela frase, aquela voz em sua mente a assustou ainda mais. Será que estou realmente louca?- pensou. Ela sentia a presença de algo, de alguém.
– Calma! Não tenha medo. Olhe para o chão. Há um presente para você.
Ao olhar, um objeto de um dourado intenso brilhava embaixo de algumas folhas. Ela se abaixou e viu um machado de duplo fio.
– Não tenha medo. Você me chamou e eu estou aqui. Seu coração está inquieto e é sobre isto que vamos conversar.
De alguma maneira, o coração de Dara se acalmou e o desejo pela conversa surgiu. Ela sentou-se e começou a respirar, buscando se acalmar. A voz havia desaparecido, mas, segurando o pequeno machado, ela ficou atenta ao movimento de sua respiração. Ficou assim por um bom tempo.
Ao abrir os olhos, se viu no meio de um espinheiro. Não dava nem para se mexer e isto a assustava. Diversas questões surgiram então em sua mente: Como havia chegado ali? Como sair daquele lugar?
Lembrou-se que o machado poderia ajudá-la, mas percebeu que ele não estava mais em suas mãos, pois o havia deixado cair. Ele estava próximo, mas teria que conseguir pegá-lo para poder cortar os espinhos.
Neste momento, os olhos surgiram à sua frente e a voz se fez ouvir novamente.
– Dara, sua inquietação diante da vida provém deste lugar onde se encontra. Você busca muitas coisas que conhece intuitivamente, reconhece a existência delas, procura um sentido para a sua vida, mas para conseguir o que deseja precisa sair deste lugar.
– Mas como vim parar aqui? Quem me trouxe para cá? Como posso sair?
– Ninguém te trouxe para este lugar, ressoava a voz. Esta prisão de espinhos foi construída por você e somente você pode se libertar dela. Para isto, você precisa não apenas ter o desejo de sair, mas deve agir com a sua verdadeira vontade.
– Eu não tenho como me mexer… Os espinhos irão me machucar, mas, por outro lado, aqui me sinto também protegida, pois se algum animal ou pessoa quiser me fazer algum mal, não conseguirá chegar até aqui.
– Então é bom ficar aí? É isto que deseja? Ficar aí te protege de quem? Você pode até parecer protegida, mas na verdade está aprisionada. O que te aprisiona? O medo do perigo? O medo da dor? O medo da vida? A resistência? A comodidade?
– Por favor, não faça mais tantas perguntas. Eu preciso de respostas! Com tantas perguntas você não me ajuda… Por favor, me responda… Como posso sair daqui?
A voz desapareceu e os olhos que acompanhavam Dara, antes abertos e iluminados, agora estavam cerrados. A voz calou-se.
Dara irritou-se com isto. Lembrou-se das diversas vezes em que precisou da ajuda de alguém e que não obteve auxílio. Como as pessoas são egoístas! Vivem falando sobre a importância da fraternidade, mas não a colocam em prática.
E, agora, este mesmo sentimento ressurge, justamente no momento que ela achou que iria encontrar respostas de alguém que julgou ser especial. Aquela voz, aqueles olhos trouxeram esperança, mas no momento em que encontrou um desafio se viu novamente desamparada e sozinha. Os olhos se fecharam para ela e a voz calou-se, deixando um silêncio que incomodava e entristecia o seu coração.
Lágrimas desceram dos olhos de Dara. Como ela não podia se mexer, foram banhando seu rosto, descendo pelo seu corpo. Mas, ao chegarem a seu coração, algo aconteceu. Aquelas lágrimas, de alguma maneira, aqueceram seu peito e Dara pode ouvir uma outra voz… Era a voz de seu coração.
– Dara, eu estou aqui! Sou a voz de seu coração. Você está aqui… Nós estamos aqui… O universo está aqui! Eu sou o seu eu verdadeiro. Tento sempre falar contigo. Algumas vezes você me ouve, mas na maioria do tempo seus pensamentos e seus desejos egoístas te impedem de perceber minha presença e me ouvir, de sentir e se conectar com a força latente que reside em você. Não são os outros que são responsáveis pela sua mudança, não são eles que irão te ajudar e apontar caminhos. Assim como não foram as outras pessoas que construíram a prisão de espinhos! Você é a única responsável pelas construções que fez em sua vida e a única que pode desconstruir o que for necessário para se livrar de suas prisões.
Neste momento, um filme se passou na mente de Dara. Ela relembrou diversas vivências que a fizeram enxergar, mesmo que apenas em um rápido vislumbre, algumas verdades. As verdades provocaram uma grande dor, pois a levaram a perceber a ilusão que foi construída por ela e a responsabilidade que tinha sobre o que havia acontecido em sua vida. Lágrimas rolaram, mas à medida que reconhecia alguns fatos, era como se ela se libertasse! As dores diminuíam e ela se sentia mais serena.
Após esta vivência, percebeu que os olhos, antes cerrados, estavam novamente abertos, com um brilho especial que transmitia paz, contentamento e alegria. Ouviu novamente a outra voz que a acompanhava desde o final da tarde.
– Você está no centro do espinheiro. Somente você é capaz de encontrar a saída. O auxílio chega até você, mas a ação deve ser sua. Observe onde você está. Entre em contato com a voz do seu coração e encontre a força necessária para iniciar a sua libertação. Cada pequeno gesto é importante neste processo. A coerência entre os seus pensamentos e ações é fundamental.
Dara observou que à sua volta toda a natureza revelava um brilho e uma energia especial que chegavam até ela trazendo fortaleza e serenidade. Ela fechou os olhos para refletir sobre as palavras que ouvira, para aproveitar aquele momento maravilhoso e guardar, em sua mente e em seu coração tudo o que sentia e pensava. Respirou e sentiu-se confiante. Ao respirar, levava para dentro de si, uma luz especial que penetrava em suas células, fazendo seu corpo parecer o céu iluminado por milhares de estrelas. Ela sentiu que o seu coração, naquele instante, revelava a sua verdadeira força e que ele deveria ser o seu companheiro constante.
Ao abrir os olhos, Dara estava se sentindo forte e capaz de sair do espinheiro. Moveu-se e percebeu que os espinhos, antes duros, pareciam mais maleáveis, e que ela conseguiria pegar o machado que havia caído de suas mãos. Ao mover-se, alguns arranhões marcaram seu corpo, mas a dor agora era diferente! Dara pegou o machado e percebeu que o brilho dele havia aumentado.
– Dara, você conseguiu reconquistar o seu machado. Eu havia apenas apontado onde ele estava, mas não poderia colocá-lo em suas mãos. Durante a sua vida, você o perdeu, mas agora o reencontrou. Ele será o seu recurso para vencer as batalhas e conquistar o sentido da vida, que você tanto procura. Muitas pessoas, como você, desejam alcançar a verdade, desejam se tornar pessoas melhores, desejam auxiliar na construção de um mundo melhor, mas vivem dando voltas em um círculo. Não encontram a solução e não conseguem o que desejam. Para iniciar a caminhada da evolução, precisamos transformar o desejo em uma vontade real para vencermos as batalhas que surgirem. Um machado de duplo fio, como este que está nas suas mãos, é o símbolo da vontade, da autonomia, da autoridade… É o símbolo do poder interno que mobiliza forças divinas que nos auxiliam a enfrentar e vencer as nossas sombras, pois são elas que precisamos vencer. Para isto, é necessário harmonizar o trabalho interno com nossas ações no mundo. Com seu machado, você romperá o espinheiro e abrirá caminhos… Trabalhará sobre a escuridão que há do lado de dentro e do lado de fora. Não haverá mudanças externas se não ocorrerem mudanças internas.
Dara ouvia e absorvia, em seu coração e em sua mente, cada palavra que era dita. Segurava o machado, observava seu brilho e estava verdadeiramente atenta àquela vivência. Seu coração se aquecia e parecia que ela, naquele instante, estava em comunhão com todo o universo. De repente, a voz calou-se e deu a vez para a voz de seu coração.
– Quando você está consciente de que carrega o seu machado, quando está consciente e atenta à sua vida, você consegue ouvir a minha voz! Quando está conectada comigo, o seu coração, você se sente mais inteira, mais forte e mais segura em suas ações. Ouça-me em sua caminhada! Conecte-se sempre ao seu verdadeiro eu, este é o meu pedido. Na rotina da vida, as pessoas se afastam de sua essência e do poder latente que reside nelas. Através do consumismo, da competição pelo poder ilusório, dos desejos, elas se afastam da trilha da evolução, do sentido da vida. Reserve sempre um tempo para alimentar a sua alma e o seu coração. Não se afaste de mim!
As lágrimas jorraram dos olhos de Dara ao ouvir a voz de seu coração, pois ela percebeu que havia se afastado dele. Ela achava que estava vivendo conscientemente, que estava no caminho certo, mas agora via que realmente estava andando em círculos, sendo egoísta e dominada pelos seus desejos.
Quantas vezes havia colocado a responsabilidade de suas tristezas e de seus fracassos em outras pessoas? Quantas vezes julgara os outros, colocando-se em uma posição superior a eles, sem perceber que fazia isto? Quantas vezes a resistência interior esteve presente, boicotando a caminhada, sem haver consciência disto?
– Dara, há pouco você se irritou com as perguntas que eu lhe fazia e me disse que queria apenas respostas. Ao fazermos perguntas temos a oportunidade de refletir e de tomar consciência dos fatos, dos sentimentos, da vida. Iniciamos o caminho ao encontro das respostas. Não auxiliamos ninguém dando as nossas respostas. Precisamos instigar-lhes a busca. Muitas vezes queremos que os outros nos mostrem caminhos, mas a nossa caminhada de evolução é solitária. Podemos encontrar auxílio, mas quem dá os passos somos nós. Hoje você se sentia solitária no início da tarde, diferente das pessoas… Todos nós somos diferentes! Cada um de nós está em um degrau de evolução, mas todos vamos evoluir: cada um em seu tempo. Você vive em um mundo de diferenças e isto deve ser entendido e respeitado. Está ficando tarde… Feche seus olhos, preste atenção em sua respiração, e depois os abra devagar.
Ao abrir os olhos, Dara percebeu que o espinheiro havia desaparecido. Não viam mais os olhos que foram seus companheiros naquela vivência. Sentia uma sensação inexplicável. De repente, a voz se fez novamente presente.
– Dara, a visão do espinheiro se foi, mas o que ele simboliza continua aí. Você pode se libertar! Em suas mãos está o machado. Vou te entregar uma outra coisa, veja.
Ao olhar, Dara viu um pedaço de fio junto ao machado. Lembrou-se da história de Teseu e do Minotauro, e a voz novamente se manifestou:
– Ariadne ofertou a Teseu o fio que o orientaria no labirinto. Estou entregando um pedaço deste fio para você se lembrar sempre de que nós também recebemos auxílio para entrarmos no labirinto e vencermos os nossos Minotauros, mas a luta é nossa. Só a vencemos quando chegamos ao centro, que representa a conquista de nós mesmos. Ao fazermos o caminho de volta, o fio continua a nos orientar, mas quando chegamos na entrada, percebemos que não temos mais agora um simples fio… Temos um novelo circular que representa a vitória e que guarda a memória dos caminhos que percorremos. Alimente sempre, em sua alma, a verdadeira vontade de trilhar o árduo e fundamental caminho da evolução. A chave para a saída do labirinto se encontra em seu coração. Seu nome, Dara, significa aquela que detém o bem, aquela que segura firmemente… Significa também Deus. Lembre-se sempre disso…
Dara sentiu a brisa novamente acariciar o seu corpo e fechou os olhos. De repente, a voz de Gabriel se fez ouvir.
– Está ficando tarde. O pessoal está te chamando. Vamos ao encontro deles?
– Claro, Gabriel!
– Mas antes quero te dar um presente.
Gabriel pegou em seu bolso um colar. Disse que ao vê-lo lembrou-se dela e que, sabendo que iria encontrá-la, resolveu comprá-lo. No colar, um fio sustentava um pingente de um machado de duplo fio dourado. Gabriel colocou-o em Dara, que logo percebeu que o tamanho do fio fazia com que o machado ficasse à altura de seu coração. Coincidência? Isto não importava…
Dara deu um abraço afetuoso em Gabriel e disse a ele que aquele presente era muito especial, pois representaria o reencontro dela com o sentido de sua vida. Os dois voltaram para a festa. Com o passar do tempo, todos foram dormir, menos Gabriel e Dara que ficaram conversando… Ela contou para Gabriel a vivência daquele dia. Gabriel ficou encantado com a história e a coincidência dela com o seu presente.
Antes de dormir, Gabriel deu um abraço em Dara e fez um pedido:
– Dara, sei que você adora escrever e que há muito tempo não faz isto. Agora eu quero que retribua o meu presente com os seus textos que sempre achei maravilhosos e dos quais sinto muita falta. Com esta vivência, você resgatará esse seu dom… Dê vida a ela, registrando-a. Conte-a às pessoas. Não se preocupe com o que os outros irão dizer… Para as pessoas poderá ser apenas um conto, uma ficção, mas que poderá levar outros a refletirem um pouco mais sobre a vida.
Dara apenas disse a Gabriel que iria pensar. Ao deitar-se, ficou refletindo no pedido que ele lhe fez e, de repente, ouviu uma voz baixinha dizendo:
– Anda, Dara! Pegue um folha de papel, escreva!.
Dara percebeu que era a voz de seu coração. Levantou-se e, resoluta, começou a escrever.
Autora: Celma Teresa Martins Cabral
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