A música é um fenômeno arraigado no homem desde sua origem. Ultrapassa as fronteiras de culturas, épocas e tem impregnado todas as áreas das ações humanas. Vivemos constantemente imersos em uma atmosfera de som, em um mundo de sons que nos acompanham durante toda a vida, ainda que poucas vezes nos demos conta disto. Tudo soa, tudo vibra, tanto nas grandes cidades, com seus gritos, chiados, silvos de homens e máquinas, como no campo, onde podemos escutar o canto da Natureza, o sopro do vento nas árvores, o murmúrio da água de um riacho, o gorjeio dos pássaros, ou nas margens do mar, com os golpes rítmicos das ondas contra os rochedos. O mundo todo parece participar desta grande sinfonia, que não termina nos confins de nossa terra, mas que abrange até as regiões mais distantes no espaço, onde soa a música das esferas, imperceptível ao ouvido humano.
Segundo os últimos estudos científicos, o homem percebe os primeiros sons ainda como feto, no útero materno, sendo as impressões mais importantes as pulsações rítmicas do coração e a respiração de sua mãe. A partir do sexto mês de vida embrionária, o ouvido está suficientemente desenvolvido para também escutar os sons exteriores. Estas primeiras recepções são gravadas na memória e nela são registradas como “envoltura pré-natal”, um estado de proteção e segurança, razão pela qual em músicas terapêuticas atuais emprega-se o efeito relaxante das batidas do coração.
Esta experiência básica é a mesma em todos os seres humanos, mas a partir de então as influências mudam segundo o lugar, a época e o ambiente em que a criança se desenvolve, e no qual imediatamente move-se o homem. Não obstante, há uma constante que se mantém através de todos os tempos: o ser humano sempre buscou a expressão de seus sentimentos e sensações na Música; criou suas próprias melodias e impregnou-as de dor e de alegria, bem como de suas experiências religiosas mais profundas. Toda a história da Humanidade dá crédito a isto; cada povo desenvolveu seu estilo musical de acordo com suas características e natureza, desde os mais primitivos, onde o instrumento principal foi a própria voz humana com todos seus matizes, acompanhada de materiais encontrados na natureza, como palitos, ossos e bambus, até as mais desenvolvidas civilizações, como a egípcia, a grega ou a romana, nas quais se utilizavam instrumentos mais elaborados, muito semelhantes aos atuais, como a flauta, a harpa, a lira, o chifre, a trompa, mas cujas melodias perderam-se nas distâncias do tempo.
Por outro lado, sempre atribuiu-se à Música um poder especial, e todas as antigas tradições estão repletas de relatos que falam dessa influência da Música sobre os seres e as coisas. Aí estão os Desuses e semi-deuses que são conhecidos por sua milagrosa habilidade musical. O mais destacado entre eles é Orfeu, cujo canto subjugava os animais selvagens, detia o curso das ondas e fazia as árvores e rochas dançarem. Nem sequer as criaturas do Mundo Subterrâneo resistiam ao encanto de sua música e até do próprio Hades conseguiu a liberdade temporária de sua esposa Eurídice. Nas lendas hindus, os cantores influenciavam no crescimento das plantas, mudavam o ritmo das estações, detinham o curso do sol e faziam a chuva cair. Contos gauleses e escoceses falam de feitiços por meio da Música. Na Prússia, conta-se dos ratos e das crianças que ficaram cativos pelo som da flauta de Pied, o famoso flautista de Hamelin. A Bíblia narra que os muros de Jericó caíram quando as trombetas soaram, e que Davi curou a tristeza de Saul tocando a cítara.
Hoje, novamente tem-se investigado o poder da Música e demonstrado sua influência sobre os vegetais, animais e homens. As plantas crescem melhor e mais saudáveis em um ambiente musical. O incremento do rendimento das vacas leiteiras por influência da Música é um fato bem conhecido. Igualmente comprovou-se que as galinhas produzem melhor quando são musicalizados os ninhos, e que os coelhos tornam-se muito mais férteis. Também o ser humano é afetado positivamente pela Música. Está cientificamente provado que ela influi sobre a capacidade de trabalho e retarda a fadiga; facilita a digestão, a respiração e a circulação sanguínea, melhorando o rendimento cardíaco; além disso, induz a um estado de distensão e de relaxamento. Estatísticas nos EUA demonstraram que a Música nas fábricas faz aumentar a produção em 4%. As mais recentes investigações inclusive descobriram que determinados sons podem provocar mudanças no metabolismo do homem e na biossíntese dos diversos processos enzimáticos referentes ao DNA e RNA, que constituem os elementos fundamentais da vida.
É interessante observar que nem todo tipo de música causa o mesmo efeito. Há músicas que relaxam, outras que adormecem, outras que, ao contrário, trazem ânimo e coragem, outras excitam e outras inclusive desequilibram o sistema nervoso até o ponto de causar sérios danos cerebrais, como a epilepsia, muitas vezes produzida por músicas demasiado estridentes nas discotecas de hoje. Platão, na República, fala da importância da Música para a educação do ser humano. Diz que há tonalidades ou harmonias que são negativas, desfavoráveis para os homens de bem, porque abrandam seu espírito, levam à moleza, à embriaguez e à indolência. Pelo contrário, o filósofo recomenda aquelas melodias que dão força e conduzem o homem à sabedoria e à moderação. Platão falava assim porque sabia que a Música é uma força que pode ser um meio extraordinário para transformar, enobrecer e aperfeiçoar o homem, já que a atividade mental cria uma atmosfera e é uma poderosa ajuda para a realização, inclusive para poder entrar em contato com o mundo superior. Os sábios de todos os tempos sempre levaram em conta as necessidades dos homens e instauraram festas com músicas, dança e teatro para alegrar-lhes o coração e, ao mesmo tempo, alimentar-lhes o espírito.
Temos que levar em conta que, na Antigüidade, não existia a música pela música em si, como tampouco existia a arte pela arte em si. Portanto, a idéia de que a Música e o som podem curar não é nova; é uma das mais antigas terapias conhecidas. Pitágoras ensinava a seus discípulos a fazer música diariamente, cantando ou tocando algum instrumento, para “limpar-se” das tristezas, medos e angústias. Também, nos antigos templos da China, Índia e Tibet, a prática da música com finalidades terapêuticas era uma ciência altamente desenvolvida, baseada na convicção de que as vibrações que produzem os tons musicais são semelhantes àquelas que criam verdadeiramente o mundo físico e que emanam de forças espirituais.
O som fundamental “OM” ou “AUM” simboliza, para a filosofia da Índia, a Origem, a fonte suprema, o Absoluto. É a essência de todas as manifestações do Universo, a vibração divina; e assim como o Som Primordial mantinha a ordem e a harmonia dos Céus, o som audível, em sua forma musical, transmitia o reflexo desta ordem na Terra. Daí também justificar-se a importância dos Mantrams, já que eles são invocações das forças as quais representam. Cada som no mundo físico desperta um som correspondente nos Reinos invisíveis e provoca a ação de alguma força do lado oculto da Natureza.
Cansado muitas vezes dos tratamentos da Medicina atual, onde sente-se freqüentemente como mero número em longas listas de espera, das que sai, na maioria dos casos, com um receita para estas ou outras pastilhas que curam apenas os sintomas de um mal mais profundo, o homem, hoje em dia, volta seu olhar para trás e busca naquelas terapias do passado, ali onde o homem era plenamente homem, ali onde suas enfermidades eram consideradas com um mau funcionamento de algo dentro do organismo em seu conjunto (o que hoje costumamos chamar de visão holística do homem). Sob este ponto de vista, entende-se que, muitas vezes, uma enfermidade, antes de manifestar-se fisicamente, forma-se nos planos invisíveis, para logo baixar ao mundo material e fazer-se notar, como uma inflamação do fígado, um infarto cardíaco ou uma úlcera estomacal. Aí é onde as chamadas Medicinas Alternativas têm seu grande campo de trabalho e onde a Musicoterapia em particular também encontra sua especial aplicação, porque ela trabalha com elementos que a Medicina ortodoxa, freqüentemente desconhece.
Todo o Universo, para os hindus, está baseado em sons, e se contemplarmos o mundo que nos rodeia, podemos perceber que nele tudo corresponde a ressonâncias, a determinados comprimentos de onda. Assim, também as células do organismo são sensíveis a certos comprimentos de onda, e, portanto, a certos sons. Por isso, entende-se que, por exemplo, a antiga Medicina chinesa teria todo um sistema de correspondências entre as notas da escala musical e os órgãos. O segredo da cura consistia em manter o equilíbrio entre as duas forças complementares da natureza, o “Yin” e o “Yang”, e no caso de enfermidade, em restabelecer novamente a perda de energia vital. Por outro lado, também diziam que cada instrumento musical tinha um efeito determinado sobre o corpo humano, e mais ainda sobre cada órgão em particular, de forma que as flautas estavam especialmente indicadas para curar enfermidades do fígado, os sinos faziam melhorar os pulmões, os tambores eram indicados para os rins, etc.
Sistemas parecidos existem também na Índia, no Japão e em outras culturas da Antigüidade. A Musicoterapia normalmente não era utilizada como terapia única, mas em conjunto com a Acupuntura, massagens, aplicações de ervas e outras técnicas, segundo o lema do médico do Imperador Amarelo, Khipha, que dizia: “O sábio trata as mesmas enfermidades de diversos modos”.
Também os terapeutas de hoje que experimentam estas antigas técnicas seguem o mesmo conceito e costumam combinar distintos métodos, como, por exemplo, a cromoterapia, a hidroterapia ou a oxigenoterapia, junto com a Musicoterapia. Muitas vezes, utiliza-se para este conjunto o nome coletivo de Biomusicoterapias. Chegou-se até a incluir o estudo da Astrologia nestes tratamentos, aproveitando também os antigos conhecimentos sobre correspondências entre notas musicais e signos do zodíaco, elaborando, desta forma, uma tipologia com sua correspondente lista de músicas adequadas para o bem-estar de cada pessoa, a qual todo mundo pode aplicar facilmente em sua casa.
À parte desta vertente passiva da Musicoterapia, que consiste em que o paciente escute programas de Música e se entregue a eles de forma receptiva, existe também outra vertente, que é a Musicoterapia ativa, na qual o paciente intervém tocando ele mesmo os instrumentos musicais. É um método que está sendo aplicado com muito êxito em todo tipo de patologias, neuroses, psicoses e também para terapias de desintoxicação de alcoólicos e drogados. Os instrumentos que se utilizam para estes casos são simples e não requerem conhecimentos musicais prévios, mas permitem a expressão espontânea do que alguém sente. Utiliza-se flautas, xilofones, tambores e outros instrumentos de percussão. Tudo isso incita à expressão do que o paciente vive dentro de si sem necessidade de argumentar sobre o problema e explicá-lo verbalmente. Dá a possibilidade de dramatização pelo som de uma forma lúdica, com o que facilita a descarga de sentimentos reprimidos através da expressão sonora (golpes, gritos, cantos) e leva muitas vezes a uma espécie de catarse, uma liberação de tudo que é inibido e uma abertura da pessoa para novas possibilidades de vivências.
Curar, segundo a mentalidade chinesa, consiste principalmente em eliminar os obstáculos que impedem o fluir da energia, em restabelecer novamente o equilíbrio do homem. Se contemplamos qualquer instrumento musical, por exemplo, um trombeta, podemos observar que esta não soa se existe alguma obstrução em um de seus tubos. Podemos estabelecer um paralelo entre este exemplo e o corpo humano. Muitas vezes, na Antigüidade, o homem foi comparado a um instrumento de sete cordas, como a lira de Apolo. É óbvio que estas cordas somente podem soar bem quando cada uma delas está afinada e em harmonia com as demais. Voltando ao ser humano, ele também, como bom músico, deverá ter seu instrumento bem afinado, o que, traduzido para nosso plano, significa manter sempre uma boa higiene física, psíquica e mental; em resumo: eliminar seus defeitos em todos os diferentes níveis. Isto só se consegue mediante uma formação integral do homem que permita conseguir um equilíbrio entre o Yin e o Yang e um fluir sem obstáculos da energia que há no ser humano. Quando isto realmente for alcançado, não haverá tantos problemas de enfermidades físicas e psíquicas, e o homem será capaz de estabelecer essa harmonia interior que permite que ele expresse seu verdadeiro Ser, e que sua lira de sete cordas soe com a mesma perfeição que a lira de Apolo.