Uma das principais portas de entrada para a Península Ibérica, um enclave fundamental para nossa própria história.
Iberos e Gregos
Desde tempos imemoráveis as pessoas dessa região viviam entre lagoas e marismas. Conheciam o cultivo das plantas mais antigas como o trigo e a cevada e criavam animais que forneciam carne e pele. Tinham um conhecimento rudimentar da arte de produzir cerâmica, dos tecidos e dos metais. Os gregos chamavam esses povos de iberos porque povoavam as terras das margens do rio Iber, hoje chamado Ebro.
Ao contrário dos iberos, os gregos eram um povo inquieto e empreendedor. Por volta dos anos 600 a.C., os gregos focences, originários das costas da Ásia Menor, comercializavam com os poderosos persas e também viajavam pela rota do poente, que os levava até Tartesos, legendária cidade do sul da Península Ibérica, rica em metais. A navegação era difícil e estava cheia de adversidades. Apesar de todas as adversidades os navios focences ultrapassavam o Cabo de Creus e entravam nas águas mais calmas da baía, onde uma pequena ilha perto da costa oferecia um local de desembarque adequado para as necessidades dos navegantes. Os gregos se estabeleceram definitivamente na pequena ilha, onde criaram o primeiro núcleo urbano do litoral ibérico e o batizaram com o nome Emporion. Os nativos vieram com cautela do continente. Pelo desconhecimento do uso comercial, as primeiras trocas foram difíceis.
O comércio progrediu e isso permitiu aos gregos assentar em terra firme uma nova cidade fortificada. À medida que o comércio se consolidava, muitos nativos, os indiketes, instalaram-se junto à nova cidade. À sombra das muralhas de Emporiom. Assimilaram muitas características da civilização grega. Aprenderam a talhar a pedra e construíram cidades cercadas por muralhas como o povoado de Ullastret. Desenvolveram também seu próprio alfabeto.
Os romanos
Os romanos mantinham uma feroz batalha com os cartaginenses. Os tratados de paz que assinavam eram precários, os cartaginenses tinham reunido um exército poderosíssimo que atravessou os Pirineus e os Alpes, chegando até os portões de Roma. Aníbal cercou a cidade com seu exército de elefantes. Iniciou-se uma luta de vida ou morte. O senado romano resolveu interromper e escolheu um local ideal para fazê-lo, Emporion, a colina aliada grega onde o general Neoescipón desembarcou suas legiões sem impedimentos no ano 218 a.C.. A vitória romana foi esmagadora, os legionários não só salvaram Roma, graças ao seu desembarque oportuno em Emporion, mas a partir daí iniciaram a conquista de toda a Península Ibérica, apesar de Emporion continuar sendo uma cidade grega.
A força romana era implacável;, em um segundo desembarque, que ocorreu no ano de 195 a.C., o cônsul Marco Porcio Catón, estabeleceu em Emporion um acampamento militar estável que seria a origem de uma nova cidade. Desde então tanto os antigos caminhos como as novas vias que cruzavam o território e as rotas marítimas todos levavam a Roma.
Na antiga Emporion grega as muralhas, localizadas a oeste, foram derrubadas e confundiu-se com a cidade romana. Essa movimentação e concentração de povos e línguas passaram a denominá-la Emporiae. Ao longo de todos esses anos, Ampurias foi a porta de entrada da Espanha. Estamos falando do momento de esplendor no século I e primeira metade do século II de nossa era.
Mas o mesmo crescimento romano, que fez de Emporiae uma das cidades mais prósperas do Mediterrâneo, acabaria se voltando contra ela; o ímpeto de outras cidades romanas como Tarrraco, atual Tarragona, e Gerunda, a atual Gerona, e a fundação de novas cidades como Barcino, atual Barcelona, transformaria as rotas comerciais. Os navios não mais ancoravam lá. Os jovens mais qualificados e os comerciantes com espírito mais empreendedor emigraram para novos assentamentos.
A Idade Média em Ampurias
O império romano se desintegrou. No século III d.C. a invasão dos francos-alamacos acelerou a decadência da cidade que foi praticamente destruída e não foi mais reconstruída como fizeram com Tarraco e Barcino. A escultura de Asclépio, que nos recebe ao chegarmos ao sítio arqueológico e que ainda hoje é símbolo da cidade, foi jogada, quebrada e abandonada num depósito.
Emporiae, agora separada da primeira cidade grega, nunca perdeu seu privilégio. A nomearam capital do condado e sede de um arcebispado e a batizaram com o novo nome de San Martin de Ampurias.
Mas o peso inexorável do tempo foi deixando sua marca. O perfil da costa mudou; a pequena ilha, onde se levantou San Martin de Ampurias e que tinha dado proteção a muitas gerações desde a chegada dos primeiros navegantes focenses, acabou ligando-se a terra firme. No século VII uma invasão da Normandia acabou destruindo-a. Ampurias, meio desabitada e reduzida ao antigo povoado de San Martin perdeu seu esplendor, inclusive sua condição de capital do condado, que foi transferida para outro local. Os anos e os séculos transcorreram com lentidão, a obscuridade absoluta que cobria a antiga escultura de Asclépio não era mais que o reflexo agudo da penumbra que rodeava o que tinha sido seu mundo.
As escavações
Nos últimos anos do século XIX e nos primeiros anos do século XX, a atenção que arqueólogos como Joaquim Bonet (de Gerona) e o alemão Adolfo Schulter deram às ruínas serviram de estimulo para o início das escavações científicas que vêm sendo desenvolvidas ininterruptamente desde 1908. Recuperar Ampurias é resgatar uma parte fundamental de nossa memória coletiva.
Nota
A revista esfinge agradece o serviço de documentação do Museu de Ampurias a excelente bibliografia e audiovisuais que foram produzidos nestes últimos anos, a partir deles foi possível escrever este texto.
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