A Dança de Isadora

A dança é uma oração, cada movimento alcança o céu e faz parte do eterno ritmo das esferas.

A verdadeira dança é expressão de serenidade, é controlada pelo ritmo profundo da emoção interior. A emoção não alcança o momento de delírio sem um esforço de ação. Primeiro guarda, dorme como a vida na semente e desdobra-se com suave lentidão. Os gregos entenderam a contínua beleza de um movimento que se expandia e terminava com uma promessa de renascimento. A dança é o ritmo de tudo que morre para viver de novo, a eterna elevação do Sol.

Os movimentos devem seguir o ritmo das ondas: que se eleva, penetra, mantendo em si mesmo o impulso. Todos os movimentos da Terra seguem as linhas do movimento ondulatório. Tanto a luz como o som viajam em ondas.

Apesar de atribuírem à Isadora o desejo de reviver as antigas danças, ela dizia que a dança, para que seja uma arte, deve nascer a partir da própria pessoa, das emoções e da vida de seu tempo, embora tenha se inspirado na Grécia como fonte da beleza.

Passei horas admirando, não para copiar posturas, mas para estudá-las e encher-me do espírito que as animava, para descobrir os segredos do seu êxtase, colocando-me em contato com os sentimentos que simbolizavam seus gestos. Disso saiu minha dança, nem grega nem antiga, mas a expressão espontânea de minha alma elevada pela beleza.

Isadora classificava em três os tipos de bailarinos: os que consideram a dança como uma espécie de destreza ginástica, os que concentrando sua mente, abandonam o corpo ao ritmo de uma emoção desejada, expressando um sentimento ou uma experiência e aqueles que convertem seu corpo em uma fluidez luminosa, rendendo-se à inspiração da alma.

A carne ligeira e transparente. Quando a alma possui o corpo, transmuta-o em uma nuvem luminosa em movimento.

A vocação de Isadora enchia toda sua vida. A dança não supunha um entretenimento, nem uma diversão, mas uma religião, uma expressão da vida, entendendo a vida como raiz e a arte como flor. Em Isadora não se observa nenhuma dicotomia, não existe a pessoa com suas circunstâncias particulares por um lado e, por outro, a artista com seus objetivos.

Para mim, a dança não é somente a arte que dá expressão à alma humana através do movimento, mas o fundamento de um conceito da vida, mais livre, mais harmônico, mais natural; os verdadeiros movimentos não são inventados, são descobertos.

Dançar é viver. Nossas riquezas na terra residem na nossa vontade, na nossa vida interior.

Nela parecia observar-se essa transmutação que a Arte consegue fazer nas pessoas, era seu desejo transmitir esse poder. Freqüentemente, recordava que por volta do ano 100 havia em uma das colinas de Roma uma escola, o Seminário dos Sacerdotes Bailarinos de Roma, em que se formavam crianças, que eram instruídas sobre tudo nas cerimônias. Lá, dançavam diante das pessoas para a purificação daqueles que os observavam, com tanta alegria e pureza que sua dança influía e elevava à audiência. Isadora conhecia a magia que reside no movimento e a potência de certos gestos, falava de uma cortesia sutil para as almas comuns, mas reveladora para ela, de movimentos e gestos.

…nove de cada dez movimentos seriam chocantes, por sua indecente esterilidade e banalidade. Os jovens que os praticam por um tempo, geralmente se tornam tão inúteis e frívolos como os movimentos que praticaram, igualmente ocorreria com suas mentes se fossem continuamente alimentadas com uma dieta de maus poemas. Os chamados “respeitáveis”, que abandonariam o teatro se alguém aparecesse blasfemando, permanecem sentados diante de alguém que faz movimentos indecentes que, se fossem traduzidos em palavras, fariam o público correr. Sobre os bailes de salão, estou assombrada pela grande repressão que mostram os bailarinos, que amarrados aos braços de outro e movendo-se com a música lasciva, seguem comportando-se da forma mais ortodoxa.

Para a artista, era de grande importância instruir as crianças quanto ao entendimento e execução de movimentos de grande beleza heróica e espiritual.

Apesar de suas claras manifestações, as pessoas questionavam sua moral. Isadora respondia que se considerava extremamente moral, porque em todas suas relações executava movimentos belos. Falava da dança do amor como elemento que faz parte da natureza e converte-se, aludindo os elementos mitológicos, em nuvem, névoa, fogo, touro ou cisne branco. Não acredito ser arriscado supor que ela também pensasse que ser puro é ser alegre, veraz, generoso, honrado e valente. Para Isadora, tudo na vida, qualquer pequeno ato cotidiano, deveria ser praticado como uma arte.

A base da aprendizagem não estava em ensinar a executar alguns movimentos, mas como no conceito tradicional de educação, o método de Isadora consistia em guiar e instruir a alma à medida que crescia em maturidade. O corpo devia ser ensinado a se expressar por meio dos movimentos que lhe são naturais, gerando uma atenção e consciência em todos os movimentos e gestos realizados.

O fundamento de seu ensino era que todo movimento devia ser a expressão da alma, deveria se dançar tão naturalmente como cresce uma planta. A força interior deve sair à superfície e encontrar sua expressão, não deve ser uma força externa que dirige os movimentos sob o controle do pensamento. Era necessário evitar que os bailarinos apenas compreendessem com a mente, já que isso dá lugar a movimentos vazios, apagados, sobrecarregados de gestos, carentes de conteúdo e de vida. Somente dois anos eram necessários para transformar crianças doentes em formosas e sãs.

Isadora promovia esse ambiente de beleza colocando baixos-relevos e esculturas de crianças dançando, correndo, saltando e treinando em ginásios. O propósito dos exercícios diários era fazer do corpo um instrumento perfeito para que expressasse a harmonia, pronta para fluir. O estudo se dirigia para os movimentos da natureza, as nuvens no vento, as árvores, o vôo dos pássaros, a queda das folhas, todos têm um significado. As crianças aprendiam a observar a qualidade especial de cada movimento e desenvolviam uma secreta empatia em suas almas, desconhecida para outros, que as fazia compreender esses movimentos.

Deve-se dar ar e luz ao corpo, seu desenvolvimento deve ser metódico, toda força vital do corpo deve ser levada à sua plena expansão. Essa é a tarefa da ginástica, em seguida vem a dança. O espírito da dança entra em um corpo que foi harmonicamente desenvolvido e levado ao seu mais alto grau de energia.

A dança é a mais natural e bela contribuição no desenvolvimento da criança em seu constante movimento. Uma das grandes satisfações para a artista era contemplar as crianças, que sob o conjuro da música abandonavam o materialismo e moviam-se com uma beleza tão pura, que roçavam a mais alta expressão do ser humano.

As crianças entendem a linguagem da alma, só é preciso dizer: “Escute a música com a tua alma! Não sente um ser interior que desperta dentro de ti?”.

Sentada na praia, contemplo uma menina dançando diante do monstruoso mar, sinto como se sua pequena vida soasse em uníssono com a poderosa vida da água.

A bailarina reconheceu que a fundação de sua Escola, na qual investiu todo seu capital e pela qual sacrificou sua carreira pessoal, deveu-se ao sentimento de tortura e falta de entendimento que sofriam a maioria das crianças em nome da educação moderna.

Se temos que conseguir o renascimento da dança, esta não se expandirá da cabeça de um versado professor, mas crescerá dos contentes movimentos dos corpos das crianças, guiadas pela flauta do próprio deus Pan.

Ao longo de sua vida, Isadora manifesta e leva à prática um princípio de estratégia, que poderíamos resumir em uma origem ou porque, uma trajetória, ou como e para onde, e uma finalidade.

Seu máximo sonho era conseguir o renascimento da verdadeira dança. Para isso, a dança tinha que voltar a ser uma elevada arte religiosa, como na Grécia, teria que novamente identificar-se com o Coral (lírica e dança), verdadeiro começo da tragédia, que mais tarde se acrescenta o primeiro ator (apesar disso o coral continuou sendo a alma da tragédia).

Na época de Sófocles, a dança, a poesia, a música, o drama e a arquitetura formavam uma unidade harmônica, como uma única arte manifestada de diversas formas. Com o transcorrer do tempo, pensou-se que a dança podia viver separada e, assim, surgiu o balé, onde a dança aspira a ser tudo, tomando o lugar da poesia e do drama. O resultado levou Isadora a acreditar firmemente que o bailarino encontrava-se diante de um importante desafio, o de reencontrar o teatro grego, trazer de novo à vida o velho ideal, respirar sua vida e recriá-lo nas próprias pessoas.

Quando a dança morreu, a tragédia morreu, pois a dança é o espírito dionisíaco na tragédia, sem a dança, a tragédia perdeu sua razão de existir.

Unir de novo as artes e os artistas, a dança unida com a poesia e com a música, devia chegar a ser uma vez mais o Coro trágico. Esse era o caminho para que a dança retomasse seu papel fundamental, o de ser uma verdadeira arte.

O velho ideal se projetava na mente de Isadora, o amor do futuro não se circunscreveria a uma família, mas à toda a humanidade, a educação por meio da arte da dança não ficaria restringida às suas crianças, mas seria para todas as crianças. Isadora imaginava um grande teatro onde as pessoas pudessem entrar gratuitamente, como em uma igreja, onde se pudesse ouvir as sinfonias dos grandes artistas e todos pudessem dançar. A dança do futuro expressaria os mais altos e belos ideais do homem.

Além de uma grande devoção pela arte, de entrega e serviço incondicionais, Isadora foi uma tenaz investigadora. Essa potência foi que a levou a visitar todas as noites durante quatro meses o Parthenon. Ali sentia que os movimentos de seu corpo ainda não eram dignos do templo dórico, que para ela simbolizava a perfeita harmonia e a serenidade através dos tempos ela procurava descobrir o movimento adequado, a perfeição, a oferenda.

Visitou a Grécia oito vezes em dezesseis anos, porque sentia que em nenhum país a alma se fazia tão sensível à beleza e à sabedoria.

Estudava e admirava as obras clássicas custodiadas nos grandes museus do mundo, tratava de descobrir os porquês mais ocultos das formas e o dinamismo que emanavam as esculturas, que pareciam estar a ponto de iniciar o seguinte movimento.

Sua perseverança a fazia permanecer quieta durante horas com as mãos sobre o plexo solar, procurando até encontrar a fonte de todo movimento e de expressão espiritual, da qual flui para os canais do corpo.

Quando aprendi a concentrar toda minha força nesse centro, descobri que depois, quando escutava música, seus raios e vibrações fluíam para essa fonte de luz dentro de mim, onde se refletiam em uma Visão Espiritual, não como o espelho da mente, mas da alma. Dessa visão poderia expressá-los na Dança.

Talez não possamos contemplar sua dança, mas através de entrevistas, escritos e fontes diversas teremos o suficiente para apreciar a grandeza da artista, deleitar-nos e sonhar com uma dança atemporal e imperecível, que é a dança natural, conectada com a harmonia celeste.

Volumosos, amplos, agitando-se como velas ao vento, os movimentos de minha dança me levam para frente, para diante e para cima, sinto a presença de um imenso poder dentro de mim que escuta a música e atravessa todo meu corpo, tentando encontrar uma via de saída para essa escuta. Às vezes, esse poder crescia furioso, em outras, brincava e me agitava até que o coração quase ardia de paixão. Pensei que meus últimos momentos sobre a terra tinham chegado. Outras vezes surgia pesadamente e, de repente, sentia tanta agonia que, através de meus braços elevados para o Céu, implorava ajuda sem que ela chegasse. Frequentemente pensava que era um engano me chamar de bailarina, sou o centro magnético que transpassa a expressão emocional da Orquestra. De minha alma se estendiam ardentes raios que me conectavam com a agitada vibração da Orquestra.

Ana Porteiro Gómez

Bibliografia

– Isadora Duncan, Robert Edmond Jones.

– A Arte e as emoções, Jinarajadasa.

– A estratégia nas artes marciais, Michel Echenique.