Ptahotep é um sábio egípcio que serve como visir do faraó Djedkare-Isesi, da V Dinastia (em 2.500 a. C, aproximadamente). Aos 110 anos de idade, e considerando o final de seus dias, decidiu redigir um ensino que corporizasse todo seu conhecimento e experiência sobre o “dever ser”, depois de uma vida inteira de serviço ao Faraó e ao Egito. É um “manual” prático sobre a reta atitude e conduta, para filósofos, escribas e governantes. Um tratado de cortesia com os outros, e o que não é menos importante, consigo mesmo e com a vida. Esta obra foi considerada um clássico durante toda a história do Egito, clássico que os escribas copiaram uma e outra vez. Um livro como a Eneida de Virgílio, a Ilíada de Homero ou os Analectos de Confúcio. É milagroso que tenha sobrevivido à destruição sistemática do patrimônio egípcio por mais de 1.600 anos, e mais milagroso ainda, que se conserve um exemplar completo da obra, o Papiro Prise. Papiro que despertou de um sonho de milênios, graças ao engenheiro e pintor Prise d`Avennes (1807-1879), apaixonado pela arte egípcia, que o adquiriu em Tebas.
É um texto que pertence à chamada “literatura sapiencial”. No prólogo se anuncia que é “ensino, sabedoria”. Trata-se de um gênero literário em que os Grandes (Visires, Sacerdotes, Faraós…quer dizer, Iniciados) redigiam ”uma “sabedoria” a seu sucessor, a fim de facilitar sua tarefa e evitar enganos; grandes pensadores, que são sempre homens de experiência e com os pés na terra, e não intelectuais encerrados nas teorias e análise do real, compartilham o mesmo dever”(1). A palavra designada é sebait, que se escreve com um hieróglifo representado por uma estrela, “pois trata de esclarecer o espírito do leitor com uma luz de origem celeste”(2). A raiz egípcia seba, que possivelmente tenha dado origem ao sophos grego, ou ao sabeo caldeu, e inclusive ao sábio lusitano e castelhano, é indicativa das noções de “porta”, “luz” e “ensino”. Porque a sabedoria é uma porta que permite acessar o invisível, a essência e a alma da natureza. Porque é luz que ilumina o caminho da alma e os caminhos da vida. E porque os ditados da sabedoria são a alma dos ditados da vida; não são um ensino mais, são O ENSINO, tal e como expressou o inspirador do livro “Folhas do Jardim Morya”:
A imagem que representa este termo egípcio, seba, é uma porta detrás da qual se acha uma estrela de cinco pontas, símbolo de Sírio. Uma imagem plena de evocações poéticas e intuitivas.
O Papiro Prise se apresenta sob a forma de um tríptico: prólogo, trinta e sete máximas e um longo epílogo. A primeira linha de cada máxima está acha escrita em tinta vermelha, quer dizer, rubricada, para determinar bem a passage para outro tema. Depois do prólogo, indica-se o verdadeiro título do livro, que Christian Jacq traduz como “Máximas da Palavra Cumprida”, título que em hieróglifo é, em si mesmo, motivo de um discurso filosófico(3).
Destas 50 lições de vida (cada uma das máximas do livro) escolhemos uns fragmentos que, esperamos, convertam-se em jóias alquímicas que encham de luz e calor sua mente e seu coração:
Se és um chefe destinado a dar diretrizes para muitos, busca cada oportunidade para ser eficaz, para que assim seu governo seja impecável. Luminosa é a Regra (MAAT), duradoura sua eficácia; ela não foi perturbada desde os tempos de Osíris.
Ainda quando tudo chega ao seu fim, o Ideal permanece,
Nada cobice, proponha-te a viver em paz com aquilo que tens e os dons de Deus chegarão naturalmente.
Não fale mal de ninguém, seja ele grande ou pequeno. Fazer isto é uma abominação da tua própria energia criadora (ka).
Deus faz crescer a alma de quem se encontra em íntima solidão.
Segue teu coração durante toda a tua vida, acha sempre a justa medida. Não diminua o tempo e a vida que pertence ao teu coração.
Um discípulo pertence à semente de sua própria energia espiritual. Não separes dele seu coração.
Aquele a quem os deuses guiam não pode se extraviar, aquele a quem privam o barco não poderá atravessar o rio da vida.
Se és poderoso, atua de modo que sejas respeitado em função de teu conhecimento, tua experiência e serenidade de tua linguagem. Não dê ordens mais do que quando for necessário.
Não repitas um rumor maledicente, não o escutes. É a maneira de expressar-se de quem se acha fora de si pela paixão, a exaltação e a ignorância. Se for necessário, diga o que viste, mais que o que escutaste. Que o rumor maledicente seja arrojado à terra, não dele fale absolutamente. Assim, quem está diante de ti reconhecerá tua qualidade humana.
Notas:
1- Christian Jack, em sua introdução a L’ Enseignement du sage égyptien Ptahhotep. Editions A Maison de Sex.
2- A mesma obra citada.
3- Tjes medet neferet. Tjes, e que aqui se traduz como “máximas” vem de uma raiz que significa “ligar, atar, aderir, tecer”, mas também “levantar, elevar” e, como indica Christian Jacq, em certos contextos, “ordenar, mandar as tropas”. Dito termo é usado para designar as palavras de poder, as ordens divinas, as expressões mágicas que ligam o céu com a terra (algo assim como o conceito grego primitivo de logoi e cujo significado profundo é o das harmonias ou energies – Fohat- que expressam o Pensamento Divino na natureza em forma de leis, e “caminhos de ação”). O hieróglifo que se usa para escrever este termo é uma cauda de andorinha, freqüentemente impressa nas pedras dos templos, a fim de uni-las magicamente entre si, e de acordo aos Logotipos ou Idéia que lhe serve de matriz e guia.
O termo “medet” se traduz como palavra e está associado a medou, “fortificação”, pois as palavras são as fortificações divinas, em que a alma se sustenta para avançar nos caminhos invisíveis de sua natureza mental.
“Neferet” significa “bela, perfeita, cumprida, musical, voz do coração”. Significa que o livro quer ser uma obra de arte de acordo à beleza, luminosa para tornar luminosos a quem a leia e vivam seus ensinos. Perfeita de acordo à ordem, justiça e medida do MAAT.
Este Ideal é Maat, quer dizer, a harmonia universal.
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