Artemisia Gentileschi, St. James Palace, Londres
Artemisia é filha de Horácio Gentileschi, o grande pintor renascentista romano, e essa circunstância lhe permite dar asas a seu gênio artístico, superposto no barroco, sem se ater às convenções sociais da época para o feminino. Ainda que aceitássemos a idéia de que nem sempre o pintor põe em sua obra uma carga psicológica de simbologia oculta, nesta tela isso está tão claro que não resistimos em escolhê-la para comentá-la. A primeira coisa que “salta aos olhos” é a postura forçada de Artemisia. Como é muito difícil pintar tão longe da tela (está sentada a grande distância), ela precisa esticar muito ambos os braços. Sem dúvida, algo quis nos dizer com essa posição: que linha forma corpo e braços? Uma meia lua crescente. A lua, a mulher. Crescente, como ela se vê, como quer se ver, como na realidade está conseguindo ser. Sabe ser artista, assim se retrata e assim crescerá. Porém também sabe ser mulher e formosa, pois faz incidir a luz em seu rosto e, sobretudo, em seu peito, ou seja, que sua feminilidade não fique oculta pelo “trabalho de homem”.
Não obstante, em seu pescoço há uma corrente, e da corrente (casualidade?) pende uma cabecinha masculina.
O rosto, de semblante complexo, está absorto em sua tarefa. É muito belo e afirma a idéia de que quer formar uma lua crescente. Seus olhos não olham o pincel, como seria lógico, mas, à frente. Por quê? Porque se olhassem o pincel não os veríamos, a cabeça teria de girar mais um pouco. E, se baixasse o pincel ao nível dos olhos, desapareceria a linha da meia lua. A cor é fria, somente ocres e verdes, exceto a da luz. Não importa o entorno, o cenário não existe, nem há nada nele para ser destacado salvo ela mesma: a formosa pintora, a contracorrente de seu tempo, lua crescente, Artemisia Gentileschi.
Mª Ángeles Fernández