FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DA POESIA

 “O que permanece é obra dos poetas”

Hölderin

 

ÍNDICE:
I – INTRODUÇÃO AO TEMA

II – A ARTE

III – A POESIA

IV – BREVE HISTÓRIA

V – O POETA

VI – AÇÃO EDUCATIVA DA POESIA

VII – ÉTICA E ESTÉTICA

VIII – A FORMA POÉTICA

IX – FORMAS POÉTICAS ANTIGAS

X – O ESTILO ÉPICO

XI – OS CONCURSOS DE ARTES E OS JUÍZES

XII – SOBRE O GOSTO

XIII – CONCLUSÃO

XIV – BIBLIOGRAFIA
I – INTRODUÇÃO AO TEMA

Jorge Angel Livraga conceitua Arte como “a execução sensível das intuições estéticas” (2).

Conforme o conceito clássico, a Arte é uma via de conhecimento de si próprio, através da purificação do eu pessoal, para então conhecer sua alma e seus ideais de Beleza.

A sacerdotiza Diotima, em “Banquete”, fala a Sócrates que o homem busca o conhecimento daquilo que é divino reconhecendo e amando os belos corpos, depois as belas almas.

Os gregos da era clássica falavam-nos de que a criação artística consistia em elevar a alma até as regiões mais elevadas do ser, até a sua origem, desde onde pudesse recolher o canto das Musas.

E Píndaro ensinava que “é cega a Arte que, sem as Heliconíadas, rastreia o profundo caminho da Sabedoria”.

Já em tempos mais modernos, Imannuel Kant ensinou que alcançar a Arte é percepcionar os símbolos da imaginação, ou o que chama de genialidade – a faculdade das Idéias estéticas, sendo as Idéias estéticas símbolo das idéias racionais.

Ensinou que a Arte não vive em um ambiente utilitário, mas mágico, purificando os sentidos humanos até que o homem se separe de todos os interesses sensíveis.

Enfim, a Arte é e sempre foi uma via de realização humana, eis que requer do artista o reconhecimento dos princípios superiores de seu ser e a integração harmônica com seus princípios psicológicos e físicos, permitindo o acesso ao Belo por meio da intuição, e a construção do Belo em si e no mundo através de sua obra.

Mas “apenas as almas estéticas podem ter acesso permanente aos mundos estéticos”, e no momento histórico em que hoje vivemos há inúmeros fatores, desde mentais até alimentícios, que dificultam o acesso à intuição estética.” (Livraga) (3).

E a Filosofia à Maneira Clássica faz seu importante aporte histórico justamente traçando as bases do retorno essencial a este Ideal Artístico, para lançar ao futuro a possibilidade de retomada consciente da marcha da evolução do homem em si mesmo, em seu contexto social e histórico, através da reconciliação harmoniosa da Vida com o Ideal que a inspira e justifica.
II – A ARTE

A Arte é via de conhecimento que persegue o Belo. Trata do que é imortal e eterno.

Muito embora encontremos a Arte expressa em suas diversas formas culturais, ainda assim podemos reconhecê-la em seu espírito original sempre fresco, como a que procura o imutável e eterno naquilo que é mutável e transitório.

Nem toda a expressão cultural pode ser chamada Arte.

Quando uma expressão cultural ocorrida em determinado contexto guarda em si a intenção e capacidade expressiva compatível com uma Idéia que, para além de sua forma, guarda a potência de tocar a uma universalidade humana, e de revelar-se fonte de inspiração e de norte, ainda que em um grau diminuto, podemos verificar a existência da Arte.

Arthur Schopenhauer diz que o belo natural antecede a obra do artista genial, eis que este intui o belo na natureza, e apenas depois o comunicará aos demais. A partir daí, define a Arte como sendo a “exposição de Idéias”, ou o “modo de consideração das coisas independente do princípio da razão”.

A Arte é conhecimento cristalino dos graus da objetivação da Vontade, e através dela o gênio intui

[…] o essencial propriamente dito do mundo, o conteúdo verdadeiro de seus fenômenos, não submetido a nenhuma mudança e por conseguinte conhecido por todo o tempo com igual verdade, numa palavra, as Idéias. (Schopenhauer) (4)

No mesmo sentido, Imannuel Kant ensina que a função da Arte é dar ao homem, já neste mundo, a experiência subjetiva de reconciliação entre natureza e liberdade.

E para Royer-Collard:

O belo é sentido e não definido. Acha-se em todas as partes: dentro e fora de nós, nas perfeições de nossa natureza e nas maravilhas do mundo sensível, na energia independente do pensamento solitário e na ordem pública das sociedades, nas virtudes e nas paixões, na alegria e nas lágrimas, na vida e na morte (2).

O que é verdadeiramente a essência do mundo não pode ser captado abstratamente, mas apenas intuitivamente, e daí o status em que filosoficamente a Arte deve ser concebida.

III – A POESIA

O termo deriva do grego poésis, significando criação, ou a encarnação no ser daquilo que antes não existia sensivelmente.

Os gregos tinham as atividades manuais em geral como forma de poésis. E então, a poesia como atividade criativa, faz a ponte entre o mundo inteligível e o sensível.

A poesia é a criação do arquétipo em sua encarnação física.

Platão ensina que a poesia está relacionada com o Belo e o resplendor do Verdadeiro.

E Livraga traz uma definição constante do dicionário da Real Academia da Língua que diz: “Poesia: Expressão artística da beleza por meio da palavra, sujeita à medida e cadência, de que resulta o verso” (3).

Como princípio de toda a Arte verdadeira, a poesia possui alma e corpo.

Sua alma é o Ideal que guarda e que transmite; seu corpo é a estética onde este Ideal possa pousar.

“Haveria um fundo de verdade e de magia em toda autêntica poesia”. (Livraga) (3)

E a forma também é caracterizadora da verdadeira poesia, pois nem tudo o que possua conteúdo filosófico pode ser chamado de poesia, mas muitas vezes uma prosa recortada. Platão diz que música e poesia nasceram juntas, e são indissociáveis. A verdadeira poesia é portanto musical, rítmica, harmônica. A verdadeira poesia é cadenciada e musical, “cantando” no ritmo certo a mensagem que traz consigo, para poder expressá-la.

Bem ensina o poeta mexicano Amado Nervo sobre o que é poesia:

“Não escreverei mais versos, oh, misteriosos gênios!
Não imprimirei mais vãs e sonoras obras”
– o poeta dizia -,

Doravante, seja o silêncio minha melhor poesia.
Doravante, o ritmo nobre de meus atos diversos,
seja, gênios celestes, o ritmo de meus versos.
Doravante, estes meus olhos, de olhar claro e puro,
perto de cuja luz todo verso é obscuro,
traduzam o inefável de minhas ânsias supremas,
melhor que as estrofes dos poemas profanos…

E o que seu silêncio não souber expressar,
leia nas estrelas, nas montanhas, no mar;
e na voz trêmula de uma amante mulher
(sempre e quando seu enigma sutil souberes ler);
nas brisas discretas, nos trovões selvagens,
e na núvem errante que sempre vai de viajem…

Oh! Diáfano fio de água; aquilo que calo, diz!
Oh! Rosa milagrosa; faz teus versos por mim! (a)

IV – BREVE HISTÓRIA

A poesia é tão antiga quanto o próprio homem.

Os primeiros núcleos civilizatórios, como o egípcio, o sumeriano, o chinês, o indiano, faziam poesias e a tinham em conta de importância. Os mais antigos textos místicos são contados em forma poética, como é o Mahabharata, o Ramayana, o Rig Veda.

Jorge Livraga ensina que os povos antigos compreendiam que todo o Universo é harmônico, sendo regido por números e proporções, o que se refletiu na ordenação dos sons que, alternados com os períodos de silêncio, deu nascimento à música, ao canto e à poesia. E estas vias artísticas foram desde sempre a forma de o homem encontrar em sua alma as sementes que Deus nela depositou, revelando-lhe a via de compreensão de si próprio, da natureza e da divindade.

Desde tempos arcaicos, o ritmo e a rima auxilia na memória dos textos místicos.

Há uma tradição, nascida da antiga tradição druída, conhecida por armórica, originalmente assentada entre os povos celtas da Bretanha francesa e inglesa e expandida para a Irlanda e restante da Europa após a queda do Império Romano, que resgatou a arte de apoiar os versos na lira e em coros orgânicos e, a partir do século V, os bardos e os trovadores cumprem o importante papel de resgatar os mitos, os conselhos e as histórias. Na Alta Idade Média surgiram, por sua vez, os monges cantores.

Já as sociedades gregas primitivas encontravam expressão intuitiva na norma de vida de validade universal na poesia. Daí a importância das epopéias, das obras de Homero (o valor do heróico), Hesíodo (sabedoria prática aldeã e a moral do trabalho), Tirteu (regras morais dos espartanos), Sólon (heroísmo político), dentre muitos outros.

A Eneida, de Virgílio, que conta uma epopéia do Estado Romano, foi uma das últimas obras do gênero épico.

Após esse período, na posterior cultura jônico-eólica, a ética grega encontra sua expressão no espírito racional. Cria-se a prosa e promulgam-se leis escritas. E a intimidade pessoal do homem, fora do âmbito do Estado, intruduz a poesia elegíaca, poesia iâmbica e poesia lírica.

É nessa época que os poetas gregos, pela primeira vez, exprimem sua opinião e sentimentos particularizados e em nome próprio, ficando a vida estatal em segundo plano.

A poesia épica tem seu tom abrandado, considerando-se que, se o herói é um homem, e o homem tem seus limites, o heroísmo também o tem.

Alceu e Arquíloco são poetas expoentes desta época. A ética do homem nobre, com Homero, atrai com a virtude da honra, e repudia com a ignomia. Já em épocas tardias, a fama é o que regula a conduta. Mas, mesmo dentro da esfera particular do “eu”, a psiquicidade do poeta submetia-se ao “dever ser”, eis que o “eu” grego está conectado com a harmonia da sociedade, da natureza, do universo, como se o “eu” individual buscasse simbolizar o todo universal submetido à Lei, alcançando sua liberdade na objetivação espiritual.

No gênero lírico ocorre uma adaptação do heróico à condição humana, limitada, o que soa nos versos de Arquíloco como uma ousadia.

Na “Ilíada” há um precedente de cujo espírito se valem os poetas elegíacos para definir um estilo de “ser heróico”, quando ao final da obra, Achiles convida Príamo, que acaba de resgatar o cadáver de Heitor, a cear, e diz “Até Níobe, banhada em lágrimas, teve de pensar em comer”. Mas na epopéia, o épico é quebrado pelo trágico, enquanto que em Arquíloco é quebrado pelo cômico da vida comum.

Mas ocorre que a própria compreensão da natureza inercial e comodista do homem comum deu origem a uma certa indulgência e “se nos afligirmos com a maledicência do povo, não desfrutamos os prazeres da vida”.

O que era nobre ensinamento poético anterior, no sentido de que a cidade retribuía os feitos dos heróis mortos em batalha com a memória dos grandes atos, deixava de servir aos estilos poéticos que se seguiram, pois para estes, o empenho do homem serve para alcançar favores em vida.

O iambo filosófico era de uso corrente nas festas públicas de Dionísio, e era a expressão de um sentimento popular coletivo, passando posteriormente à expressão do rancor pessoal. Não era originalmente simplesmente injúria e difamação pública (usava-se a forma de sátira ou insulto).

O iambo praticado na primitiva poesia grega transformou-se em sátira popular, como fruto da necessidade de um tempo em que o homem reagia melhor à censura que ao louvor.

Aqui já não mais vivia o espírito do homem-herói.

Mas o verdadeiro iambo não se conforma a expressar ódios subjetivos ou raivas pessoais, pois se assim fosse, não haveria qualquer valor ideal nos versos do iambo, por belas que fossem suas composições. O iambo teve originalmente função social, denunciando escândalos públicos que afastavam a polis do comportamento aristocrático. É pressuposto do iambo que toda a sátira seja retrato da voz de um superior moral reconhecido, que a denúncia não seja expressão de um sentimento particular mas coletivo, e que haja seriedade de fundamento para o rancor justificado. Arquíloco, por exemplo, quando ataca autoridades públicas, faz sim denúncia á demagogia, e não a um particular. O iambo deve ser expressão da cólera justa.

O iambo traz a medida do valor individual, e por isso, a sátira passa muitas vezes ao tom reflexivo e didático.

Ante as adversidades do cotidiano, há iambos que incitam a resistir virilmente e oferecer o sacrifício aos deuses.

A poesia traz o cotidiano como palco do drama da vida, e o sofrimento pessoal pretende quase inócuamente preencher a alma com o espírito épico. Nesta postura, o poeta encena a justa escolha na vida, como exercício da liberdade consciente, pretendendo conciliar sua intenção e ato à sua inspiração, o que lhe permite fazer o vínculo entre si mesmo e seu destino.

É interessante observar que alguns conselhos de conduta não revelam simples normas de moderação, mas vai além, fazendo com que seja intuído o ritmo justo da vida mediante o autodomínio, e não pela mera compulsoriedade.

Quando surge a retórica, pela primeira vez a poesia passou a ser considerada em elemento formal e permitiu fazer-se-lhe a avaliação puramente estética, desvinculada de seu conteúdo espiritual.

Por certo que toda a poesia carrega traços culturais do tempo e espaço onde foram criadas, mas a despeito deste arraigamento, a verdadeira poesia apenas se eleva ao status de arte universal ou clássica quando toca a uma universalidade humana. Por essa razão, alguns poetas chegaram a conhecer e a formular o que é comum a todos os homens, construindo assim os clássicos, universais. Aquele que compreende a Arte clássica une-se aos outros homens e compreende o sentido da humanidade.
V – O POETA

“Vaticina, Musa, que eu serei teu profeta!” (Píndaro)

O poeta não é homem comum. É aquele que possui capacidade de intuição estética, e captando o Belo na esfera dos arquétipos, ainda é capaz de trazê-la fresca ao mundo, em forma harmoniosa, eis que seu espírito, psique e corpo estão em perfeito equilíbrio e permitem a descida das Idéias.

Diz Platão: “O poeta é um porta-voz de Deus, e sua alma deve pulsar em Deus quando este quer dar sua mensagem aos homens”.

E diz Livraga que “os poetas nascem, e não se fazem” (3), ensinando que ser poeta é um atributo da alma.

Escrever poesia é ato provocado pela descida das Musas ao ouvido interior de quem as escreve, e que portanto, recebe-as praticamente prontas, não necessitando de ajustes e reajustes.

Nem todo o homem é poeta. É uma natureza de alma.

Hesíodo diz que o poeta é um médium ao qual as Musas concedem a iluminação.

Gérard de Nerval, poeta romântico francês, diz:

Resolvi capturar o sonho e arrancar-lhe seu segredo.
Por que, diga-me, não forçar, por fim, essas portas místicas
armado de toda a vontade e dominar
minhas sensações ao invés de suportá-las
passivamente?

Poesia é fruto da inspiração. E a mensagem trazida pelo poeta é a que acresce à consciência e ao coração humano, tendo o poder de inspirá-lo e transformá-lo em alguém melhor.

Ensina Amado Nervo:

Diga, já houvesse estado em estado de êxtase alguma vez?
Sentiste um desses instantes em que o pensar não existe
porque – disse Wordsworth – “expirou em alegria”?
Em que morrem as dúvidas, em que se explica tudo:
a excelência do astro, a ignomia do lodo,
e o mundo é como símbolo de sutil poesia?

Que branduras então nos oferece o caminho!
Tem seres e coisas um sentido divino,
amoldando-se a uma misteriosa justiça.
A dor para sempre nos parece proscrita
e submergem as almas em um mar infinito
de suprema delícia.

Para tais momentos foi criado o poeta:
É ele apenas quem pode traduzir a secreta
concordância do homem com seu Deus sempre desconhecido.
É a mágica ponte de fulgor doce e tênue,
lançada no profundo da noite perene
como o trêmulo raio de um astro remoto… (b)

O poeta sofre o processo de autoformação espiritual em sua composição, pois de alguma forma imaginativa o poeta (como é o caso de Arquíloco) participa das “batalhas contra os Senhores de Eubéia” e assiste ao “tumulto de Ares”.

Este tema vale ser ilustrado com poesia de Amado Nervo, que revela com suma beleza e propriedade a importância do tema.

Deus te livre, poeta
de verter, no cálice de teu irmão,
a menor gota de amargura.
Deus te livre, poeta,
de interceptar apenas, com a tua mão,
a luz que o sol presenteie a uma criatura.
Deus te livre, poeta,
de escrever uma estrofe que contriste;
de turvar, com teu ar enfadonho
e tua lógica triste,
a lógica divina de um sonho;
de obstruir o caminho, o intento,
que percorre a mais humilde planta;
de destruir a pobre folha ao vento.
De entorpecer, nem com o mais suave
dos pesos, o ímpeto de uma ave
ou de um belo Ideal que se levanta.
Tem para com todo o júbilo, a santa
simpatia acolhedora que o aprova;
põe uma nota nova
em cada voz que canta,
e retira, com teus sons,
um mínimo espinho em cada prova,
que torture aos maus e aos bons. (c)

Concluímos com a apropriada anotação de Platão acerca de subordinação do poeta às normas éticas:

No que diz respeito ao poeta, o bom legislador o persuadirá – ou o compelirá – com sua bela e louvável linguagem a retratar por meio de seus ritmos e gestos, e por meio de suas harmonias, e melodias, homens que são moderados, corajosos e bons em todos os aspectos, daí compondo corretamente os poemas (2)

VI – AÇÃO EDUCATIVA DA POESIA

Platão outorga a Homero o título de “o educador do povo grego”.

Segundo classificação tradicional da história da pedagogia, há uma fase (entre os séculos XV e VII a. C.) chamada Fase Homérica, marcada pela educação heróica espontânea através dos poemas épicos de Homero e Hesíodo.

A Arte como um todo, e a poesia em particular, está longe de ser um conceito utilitarista. Era, na época Homérica, tida como o elemento modelador da humanidade grega.

Esta modalidade de Arte possui ação educadora enquanto resgata e impulsiona as forças éticas e estéticas do homem.

Seu dever é criar no interior humano ideais e modelos de pensamento, de sentimento e ação que sejam essenciais à vida espiritual. É fundamental dar abstração à mente, disciplinar a imaginação e lapidar os sentimentos para que o homem possa construir por si os ideais éticos de sua vida.

A poesia épica, por exemplo, empresta ao poeta o estilo de pensar e sentir, e sua personalidade pode elevar-se ao estilo heróico de vida. Esta é a forma de libertação de sua alma e ampliação de consciência.

A palavra “encantamento” deriva de “canto”. Em sua obra “As Leis”, Platão resgata o valor educativo da Arte, no sentido tradicional de que educar é fazer aflorar as sementes de virtude que vivem no interior de cada homem. Diz que deveria ser dever de todo cidadão e de toda criança encantar-se a si mesmo com cantos, de modo a inspirar aos cantores o apetite pelos hinos. E assinala ainda que os dirigentes políticos são os que melhor deveriam fazer música, para dar o exemplo de serem os melhores, na música (palavra e melodia) e na virtude.

No dizer de Werner Jaegger:

[…] só pode ser propriamente educativa uma poesia cujas raízes mergulhem nas camadas mais profundas do ser humano e na qual viva um ethos, um anseio espiritual, uma imagem do humano capaz de se tornar uma obrigação e um dever (5).

Na verdadeira poesia, tanto a semântica como a forma devem ter raiz comum e estarem de tal forma integradas que uma qualidade estética que apresente deve ser inspirada e determinada pela figura espiritual que encarne.

Há, portanto, tipos diferentes de composição poética, que tratam de abordar distintas realidades humanas e em distintos níveis, mas a poesia educadora apenas pode ser a de nível mais alto, aquela que construa um mito, um fragmento da existência humana inspirado e ditado por um ideal transcendente.

Demais do poder inspirador do elemento ideal de onde nasce a poesia, e que é capaz de promover o nascimento espiritual, ressalta-se a importância do elemento emocional que surge da expressão artística, e que é capaz de mover homens. Assim, a poesia educa o homem não apenas a ter ideais, mas a ser capaz de persegui-los.

Da composição de elementos necessários à ação educadora da poesia – a validade universal e a plenitude imitativa – surge o que os gregos chamavam por psicagogia.

Imbuído do mais elevado espírito, Platão ensina que a educação do homem deve sua origem a Apolo e às Musas.

Para o filósofo, fazer música é ensinar a alma a ter o gosto pela virtude.

Música, tradicionalmente entendida, é a Arte das Musas, a inspiração ou a percepção intuitiva que toca o artista e que lhe permite traduzir em obra os arquétipos de Beleza.

Aristóteles conceitua a virtude como sendo o estilo de vida da alma, ou o estilo de vida racional, único próprio ao homem. Então, quando a alma do homem se encanta e ele pode fazer música, ele pode apreender o caminho de sua formação na virtude.

Por música devemos entender o conjunto de disciplinas que propiciam o exercício da abstração, ou da percepção filosófica das idéias, e que portanto educa a alma a conhecer o essencial de si mesma e de todas as coisas, para além da forma manifesta.

E a educação das crianças e jovens através da arte musical, como propõe Platão (2), devemos entender como definição para “música” como a combinação harmoniosa entre poesia, canto coral, dança e representação teatral.. Os gregos consideravam o homem um todo, e a educação deveria atingi-lo nesta totalidade.

O senso de educação surge da primeira percepção do ritmo e da harmonia, através dos coros e das danças, quando a criança começa a pôr ordem em suas manifestações desejosas de saber e sentir a vida, pôr ordem aos prazeres e dores, segundo um sentimento do que é harmonioso ou não. Depois, quando a maturidade traz a razão, esta naturalmente acompanhará o sentimento já educado, e não haverá conflitos entre os estilos de vida concebido e desejado.

Platão afirma que o bom legislador deve obrigar o poeta a ensinar que o homem bom, sábio e justo é próspero e feliz, a despeito de ser grande ou pequeno, forte ou fraco, rico ou pobre, enquanto que, embora pudesse ser abastado, se fosse injusto, seria o mais desgraçado e infeliz.

Inclusive se faz oportuna relação entre Arte e Legislação, revelando como a aquela conduz à vida harmoniosa e portanto justa: “Se algum dia pudesse captar de algum modo o princípio da exatidão em matéria de melodia, poderia então confiantemente reduzi-lo a uma forma e prescrições legais” (2).

A Arte é educativa quando é eficiente em sua criação e dela resulta a retificação do homem. O prazer não é critério de valoração da poesia.

Na Arte grega, em qualquer de suas representações, competia ao artista imaginar cuidadosamente os diferentes aspectos do mundo como idéia que subjaz por de trás de todo o sensível, e apresentá-los ao espectador, que neles poderia se reconhecer, viver o modelo, e sofrer a catarse.

Nesse sentido, dizia Sócrates:

Amado Pan e todos os Demais
Deuses que freqüentais este lugar,
Dai-me a beleza da alma interior, e que
se identifiquem o homem externo
e o interno.
VII – ÉTICA E ESTÉTICA

Quando estudamos a poesia grega primitiva, encontramos ali guardado o clássico princípio da não-separação entre ética e estética, e este é o fator fundamental da ação educadora da poesia.

Como princípio de toda a Arte verdadeira, a poesia possui alma e corpo.

Sua alma é o Ideal que guarda e que transmite ao poeta, ao intérprete, ou ao público, ou seja, a ética. É a semântica da poesia.

Seu corpo é a estética onde este Ideal possa pousar. Essa a forma artística da poesia.

Assim, tanto conteúdo como forma poética são definitivos. O conteúdo deve ser mensageiro daquilo que seja precioso à natureza e ao homem, no sentido de poder inspirar-lhe sonho e conduta, de fazer com que sua consciência se eleve ao patamar que fuja do ordinário.

Para Immanuel Kant, ética e estética guardam íntima relação.

E só o senso estético conduz ao senso de liberdade.

Segundo o filósofo, no sentimento estético há uma experiência de liberdade: A existência para além de qualquer constrangimento. A Arte produz a purificação dos sentidos, uma verdadeira catarse, e o Belo prepara o homem para amar desinteressadamente, com liberdade. E o sentimento estético é desinteressado e é o único a sê-lo integralmente.

A metafísica da liberdade é a metafísica da Arte, única condição em que o homem pode ser livre da contradição entre seu aspecto instintivo e os códigos éticos e racionais que sustenta, livre da dupla necessidade da natureza e do entendimento.

Na Arte, a imaginação “esquematiza sem conceito” (4). E é por isso que o juízo estético produz um prazer muito superior ao prazer sensível.

A estética kantiana produz uma espécie de reabilitação do sentimento e reconhecimento de seu valor. Fundamenta a virtude sobre o sentimento universal de beleza e de dignidade da natureza humana, constituindo o sentimento de beleza um princípio de benevolência, e o de dignidade um princípio de respeito.

Schiller, que segue o pensamento kantiano, afirma que a realidade das coisas é obra das coisas; a aparência das coisas é obra do homem; e que uma alma que goza da aparência não goza mais daquilo que ela recebe do que daquilo que dá.

VIII – A FORMA POÉTICA

As formas são fundamentais para dar cabida aos Ideais entoados pela Arte.

Há muitas teorias a esse respeito, e este trabalho pretende apenas traçar um panorama inicial, e especialmente voltado à essência do tema.

Platão, pelas palavras do Ateniense, na obra “As Leis”, ensina que o homem educado é o que possui a percepção do ritmo e da harmonia, e portanto é capaz de dançar e cantar bem. Mas ressalta que só se pode dançar bem as belas danças, e cantar bem os belos cantos, ou seja, que a educação prescinde da capacidade de conceber e de se pôr consoante às Belas Artes.

Mas o mero reconhecimento das formas belas ainda não é o bastante. O homem educado deve se deleitar na concebida beleza, e sentir ódio da disformidade. Ou seja, que deve haver essa percepção abstrata das belas idéias, e sua ação artística deve ser motivada pela identidade com a beleza concebida.

A mesma diferença que há entre o canto e a dança belos e não belos, há entre o homem educado e o não educado.

Platão assinala que a postura adotada por uma alma vinculada à virtude é bela, enquanto que a postura adotada por uma alma vinculada ao vício é disforme e deve ser repudiada.

Melodia, posturas e palavras, ou seja, a forma artística em seus vários aspectos, devem necessariamente ser belas.

O filósofo recomenda que o cultivo do amor pelo belo e da aversão pelo disforme (formação do gosto) é parte fundamental da educação, e cuja prática dá-se desde a primeira infância.

Em sua obra “A República” ensina que o governante é aquele que desde criança aprendeu a brincar com as coisas belas.

Mas como garantir que aquilo que o artista considera belo o seja de fato, e não fruto do prazer que sente por seus maus hábitos com que se acostumou em função do meio onde foi criado e da forma educativa inapropriada que recebeu, muito embora, no íntimo, saiba-a equivocada e não a louve?

Platão considera errada a afirmação de que aquilo que é belo é o que proporciona prazer à alma, pura e simplesmente, eis que nossa alma pode estar afetada por um processo equivocado na educação, e não termos bem formado o critério próprio.

Daí que assevera que o poeta não tem o direito de ensinar forma de ritmo, melodia ou letra que bem entende aos seus filhos e aos cidadãos.

Ao deixar o tema ou a forma da poesia ao critério individual, pode dar-se o caso de que um poeta tenha adquirido bons hábitos, mas que não sejam estes de sua natureza, ou o contrário, que tenha boa natureza mas deformada por maus costumes decorrentes da má educação, e portanto, se entoa cantos, suas manifestações de louvor às coisas concebidas como belas transmitirão o oposto do que sentem em seu íntimo.

Isto acarretará ao poeta e ao público mal idêntico àquele causado ao homem que, vivendo segundo os maus hábitos dos perversos, com eles se acostuma, aceita e se felicita, embora saiba-os reprováveis e não os louve.

E isto só seria possível quando um dia algum homem fosse capaz de conceber o princípio da exatidão em matéria de melodia, e traduzi-lo em prescrição legal, e que a tendência ao prazer e á dor não fossem fatores de corrupção dos corais.

Platão recorda que, no Egito, a regulamentação artística foi obra de um deus, ou de um homem semelhante a um deus, e que todas as músicas são composições de Ísis. Ensina que as formas musicais detentoras de exatidão que fosse conforme a natureza, foram promulgadas pela e consagradas permanentemente. Então, todas as formas artísticas normatizadas foram prescritas minuciosamente e retratadas nos templos, tendo sido proscrito que pintores ou inventores de posturas as modificassem ou instituíssem posturas novas. Referida tradição se perpetuou por dez mil anos, normatizando todas as formas de produção musical.

Nos dias atuais, a percepção da importância da forma poética de certa forma se mantém.

Estudiosos do tema tratam a questão da forma poética como sendo necessária a que o poeta possa trazer uma universalidade abstrata de Idéias a uma representação imaginativa concebível pelo ouvinte da poesia.

Arthur Schopenhauer levanta alguns instrumentais que são elucidativos disso.

Ensina que a forma é importante para que surja na imaginação do público ou ouvinte da poesia a possibilidade de acesso à idéia trazida pelo poeta.

Segundo o filósofo, há determinados instrumentos de “formatação poética” que podem auxiliar na formação da consciência imaginativa do ouvinte, possibilitando o acesso à idéia-mensagem da obra (7).

a) Um desses instrumentos é o epíteto, estrutura apta a trazer uma idéia abstrata a um plano mais específico e determinado, mas sempre mais próximo da intuição do que da substantivação.

É um recurso sempre presente na poesia épica. Exemplificando, Homero, em seus poemas, chama a Zeus de “aquele que antevê”, a Poseidon por “aquele que abala a terra”, e Afrodite por “aquela que ri de bom grado”.

b) Outro meio é a construção intuitiva do exposto, ou “vivacidade da exposição e da expressão”.

Pretende educar a consciência intutiva; formá-la para que seja assim receptível às idéias. Exemplo disso encontramos em que em “Odisséia”, Homero, em lugar de dizer:

“Amanheceu”, dizia:

“Logo que a Aurora, de róseos dedos, surgiu matutina…”;

e em “Ilíada”:

“Do cróceo manto já a Aurora do seio de oceano se alçara”;

e Shakespeare:

“Ora, Senhores, apagai as tochas./Foram-se os lobos, a gentil Aurora/Já surge leda por detrás das rochas;/Febo em seu carro o vasto mundo engloba”.

c) Também a inerência e propriedade da expressão (proprietas verborum), a nitidez da idéia, ou ainda o acerto na designação, permite que a essência primordial da expressão seja captada pelo ouvinte com clareza.

Exemplo disso é verso de Goethe:

“Conheces o país (onde os limoeiros verdejam)”.

d) Por fim, a brevidade de expressão. A descrição detalhada na poesia atrai o pensamento e afasta a intuição.

Diz Virgílio em “Eneida”:

“Destarte os Frígios travavam-se e os latinos,/Pé ante pé, rosto a rosto, arca por arca.”

E o “Filocteto”, de Sófocles:

“É o que tem que ser”.
IX – FORMAS POÉTICAS ANTIGAS

Os estilos poéticos surgem das seguintes formas originais:

Mélica – nasce das canções populares
Iambo – nasce dos cantos das festas dionisíacas
Hinos e prosodium – nascem dos serviços divinos
Epitalâmios – nascem das cerimônias populares de bodas
Comédias – nascem dos Komos
Tragédias – nascem dos ditirambos
Épica – nasce nos cantos heróicos.

Os gêneros poéticos posteriores que daí se originaram são a poesia que pertence aos serviços divinos, a que se refere à vida privada, e a que se origina da vida em comunidade.

Apenas nota-se que a forma poética nascida da vida privada ou cultural não constitui fonte de educação.

Ao contrário, os cantos heróicos constituem modelos por força de sua essência idealizadora, tendo pois grande significado educativo. Refletem objetivamente a vida inteira, e representam o homem na sua luta com o destino em busca de alcançar uma meta elevada.
X – O ESTILO ÉPICO

Este estilo deve ser tratado em particular, dada sua importância na pedagogia.

A poesia épica nasce dos aedos, cantos heróicos cuja tradição artística zelava por manter vivos na memória os feitos dos homens e dos deuses.

Por legado dos aedos, o estilo épico manteve como objetivo a concepção da glória.

A Aristéia – luta e triunfo do herói contra seu poderoso adversário – constitui a mais antiga forma de canto épico.

Os primitivos cantores heróicos eram conhecidos como os anunciadores da glória, e o poeta épico seguiu-lhes os passos.

Em realidade, o termo exato é “poema”, e não poesia épica, dada sua grande extensão. Também vale saber que na primitiva composição épica não havia definição de métrica rígida, mas sim uma determinada cadência que se verificava mais claramente quando do canto das frases. Seu tom era o tom solene.

O espírito do poema épico é o ideal. Constrói o espírito do herói que vence todas as adversidades na sede espiritual de conquista de seu Ideal de vida – a consagração de sua alma a seu povo e a seu país.

Possui caráter normatizador, estabelecendo a lei da vida.

E por essa natureza modeladora, a cultura helênica teve sua poesia inseparável do mito.

A vinculação entre poesia e mito aparece também na poesia de gênero lírico, embora seja predominante no estilo épico.

Quanto à forma, este estilo guarda o uso estereotipado de epítetos decorativos como ingredientes da esfera ideal, onde é exaltado tudo o que a narração épica toca, podendo formar a consciência intuitiva em quem a ouve ou canta.

As descrições épicas têm tom ponderativo, transformador, enobrecedor.

O cantor (no início os poemas eram cantados, e não declamados) não apenas entoava fatos míticos, mas louváva-os e elogiava-os, construindo através deles os modelos heróicos que nortearam e alimentaram povos.

No poema épico, a vitória de um herói, por possuir elemento moralizante, é sempre exaltada. O que é baixo, desprezível e carente de nobreza, não pode ser objeto do estilo.

A educação tradicional grega no chamado período homérico tinha o poema épico colocado em alto patamar, pois embasava-se no preceito de que os homens precisam mais de louvor do que de crítica para sua educação. E a tradição nos ensina aqui mais um expoente do culto ao exemplo – neste caso, o exemplo mais elevado, que é o do herói.

Homero realizou um trabalho de dupla vertente – o Pathos e o Ethos: Em Ilíada, traduz o elemento espiritual no caminho do homem lutador rumo ao seu destino heróico. Em Odisséia, traduz o elemento moral em uma forma aristocrática de vida.

Segundo Werner Jaegger, a obra homérica, apesar de contar com testemunhos históricos, deixou uma representação mítica que formatou para sempre a história da cultura helênica.

Se resgatamos seu espírito, eis que trata de valores que são atemporais e sempre válidos ao homem, podemos revitalizar sua utilização para a formação de consciências nobres e heróicas na necessidade histórica do hoje.
XI – OS CONCURSOS DE ARTES E OS JUÍZES

Platão propõe um exercício de imaginação: Propõe que imaginemos um concurso onde o objetivo seja gerar diversão aos participantes, e que todos possam dele participar, sendo vencedor aquele que conseguir porporcionar maior entretenimento ao público assistente.

Supõe então, dada a ausência de critério para participação nesse concurso, que haja um competidor que apresente uma rapsódia (genericamente, um poema épico), outro traria uma canção de cítara (canto acompanhado do instrumento), outro traria uma tragédia (originariamente, canto religioso entoado nas festas de Baco, durante a imolação de um bode. Literalmente, ‘canto de bode’), e outro ainda traria a concurso uma comédia (originariamente, canto que se somava às danças executadas em festas jubilosas ao deus Baco), e poderia ainda algum competidor trazer um teatro de marionetes.

Quem então se sagraria vencedor?

Depende de quem fossem os juizes.

Se o fossem pequenas crianças, o teatro de marionetes sairia vencedor. Se fossem adolescentes os juizes, premiariam a comédia. Se fossem juizes mulheres educadas e jovens homens, premiariam a tragédia, e se o fossem os homens mais velhos, premiariam a rapsódia.

O critério de julgamento depende de quem seja juiz. O homem que deve ser contentado nas Artes, para efeito de julgar qual a melhor Arte, é o homem educado. A melhor Arte é a que traz prazer ao homem que supera aos demais em virtude e em educação.

Diz Platão:

Os juizes desses assuntos necessitam de virtude porque é necessário que possuam não só sabedoria em geral como particularmente coragem, pois o verdadeiro juiz não deve dar seus veredictos a partir dos ditames da platéia, nem ceder debilmente ao tumulto da multidão ou à falta de educação dele próprio; nem tampouco, tendo ele tomado ciência da verdade, deverá emitir seu veredicto negligentemente movido pela covardia e a tibiez, falseando com a mesma boca com a qual evocou os deuses quando pela primeira vez tomou assento como juiz (2).

Na época platônica, os juizes de competições corporais e de concursos musicais prestavam juramento e compromisso a cumprir suas funções com lisura, como o faziam os magistrados do Estado.

Platão diz que um juiz de concursos de artes não é um discípulo, mas um mestre dos espectadores, devendo oposição aos artistas que oferecem prazer de maneira errônea.

Quando um poeta cede aos gostos precários dos juizes e espectadores, corrompem-se e adaptam suas obras, e ao longo do tempo, as obras poéticas criadas sob esse critério, degradam o gosto dos espectadores. Originalmente, a função da poesia é lapidar o gosto dos espectadores, oferecendo-lhes modelos de comportamento superiores ao comum.

Emannuel Kant ensina que a faculdade de julgar o Belo encontra-se relacionada com o fundamento da liberdade, com a esfera do supra-sensível onde teoria e prática são reconduzidas à unidade. Diz que o sentimento do Belo é uma prova, e que só a vence quem encontra o ponto de concentração de todas as faculdades humanas de forma harmoniosa e, portanto, profundamente religiosa.

Diz ainda que todo o juízo estético tem valor teleológico – realiza, no sujeito, o fim do Universo, que é o de aspirar à unidade do espirito.

O juiz do Belo possui a alegria de perceber o universal no singular, graças ao reflexo da finalidade do todo em cada parte.

Essa alegria ou felicidade de conquista do absoluto sobre as determinações restritivas é a essência da Arte: A percepção da unidade da natureza e do espírito expressa na Arte sensível, mas que vive para além dela.

Assim, o juízo estético não é determinante, mas reflexivo, legislando para si próprio, e não para a obra em julgamento.

A Arte é educativa quando é eficiente em sua criação e dela resulta a retificação do homem. O prazer não é critério de valoração da poesia.

Na Arte grega, em qualquer de suas representações, competia ao artista imaginar cuidadosamente os diferentes aspectos do mundo como idéia que subjaz por de trás de todo o sensível, e apresentá-los ao espectador, que neles poderia se reconhecer, viver o modelo, e sofrer a catarse.
XII – SOBRE O GOSTO

“Todas as coisas têm seu mistério, e a poesia é o mistério que todas as coisas tem” (Lorca).

Ensina Délia Guzmán:

“[…] o gosto é o sentido com que se percebe o sabor das coisas. Mas esse prazer ou desagrado que em princípio radica na língua, expande-se à psique e se converte em agrado ou rechaço pelas coisas e pessoas em geral. Neste ponto, fazer as coisas a “nosso gosto” é fazer o que surge como impulso imediato dos sentidos em geral e das emoções em especial. Sem embargo, o gosto pode ampliar-se até os limites do bom gosto, sempre e quando intervenha a Atenção. Então, é a interna faculdade de perceber e buscar o belo, diferenciando-o do feio e do absurdo. É evidente que, com bom gosto, a vida tem outro sabor. E este é também uma conquista da Atenção (9).

O bom gosto é a tendência da alma que naturalmente distingue o belo do feio, o verdadeiro da imitação. Não é o que ordinariamente se entende por inclinação pessoal. O gosto é essencialmente impessoal no que diz respeito a conhecer o Belo expresso na obra de arte.

Apenas pode surgir do homem que trabalha por amadurecer sua consciência, despertando sua identidade interior e eterna por sobre sua identidade mutável e efêmera.

Sri Ram ensina que a evolução nada mais é que a depuração do gosto.

E Plutarco, por sua vez, afirma que a música ruim e as canções grosseiras engendram a vida e os costumes licenciosos.

Imannuel Kant nos traz a idéia de que a estética reabilita o sentimento e o reconhecimento de seu valor. O gosto é formado através do desenvolvimento das idéias morais e do cultivo do sentimento moral. Assim se cria o gosto, ou a faculdade de julgar o Belo.

Quando Imannuel Kant conceitua o gosto, o faz fundamentado na verdadeira capacidade de juízo reconhecida ao sentir desinteressadamente seu valor universalmente comunicável. Ou seja, que todo o Belo deve trazer a mensagem do que é transcendente.

Afirma que no gosto não há submissão da faculdade de julgar às heteronímias das leis da experiência.

Ao contrário, o eu, identificado com o que há de mais puro e elevado no ser, pode reconhecer-se a si mesmo no Belo, e por isso é que apenas as almas maduras o podem fazer.

Ter o gosto artístico é ter a percepção da harmonia maior que ordena e vitaliza todo o universo reflexa na ordem e vida da própria constituição humana.

Quando há o bom gosto, o homem se constrói a si, à sua sociedade e à sua história.

Quando não o há, o homem deixa de ser.

Platão inclusive ensina que através do gosto artístico de um povo se pode prever o irromper de uma revolução.

Citamos mais uma vez Platão:

A possessão e o delírio das musas apoderam-se de uma alma sensível e consagrada, despertam-na e extasiam-na em cantos e em toda a sorte de criações poéticas; e ela, enquanto glorifica os inúmeros feitos do passado, educa a posteridade (2).
XIII – CONCLUSÃO

Palavras de Mallarmé:

A poesia é a expressão, pela linguagem humana elevada ao seu ritmo essencial, do sentido misterioso da existência: Ela dota, assim, de autenticidade a nossa vida e constituiu a única tarefa espiritual.

Nós, filósofos à maneira clássica, temos a oportunidade histórica de promover o resgate deste valor fundamental esquecido.

Nossas sociedades contemporâneas perderam momentaneamente a capacidade de reconhecer o que é Belo, e portanto já não se inspiram, já não se espelham nestes arcanos da vida sublime que é a poesia, e assim não logram se construírem como homens melhores.

Mas um filósofo pode se lembrar.

E nosso Movimento Filosófico nos outorga não só a oportunidade de realizar esta tradição desde nosso passado humano, mas a condução inteligente das melhores doutrinas e de muitos que por seus lemas milenares hoje militam.

Um filósofo que assim se concebe torna-se responsável por realizar este resgate, torna-se discípulo militante na reconstrução das novas formas que encarnem o velho espírito das Musas, para que ouçamos desde os mitos o chamado para nosso destino.

Concluo este trabalho com as palavras de quem reinstaurou esta via de resgate e promoveu a construção da Nova Arte, através de movimento autenticamente filosófico, que é NOVA ACRÓPOLE, e nos permitiu pôr os pés no primeiro degrau da longa escada que levará aos homens a viver novamente conscientes de seu caminho de embelezamento de si próprios, de seus semelhantes, e do mundo:

O artista, enquanto tal, é uma bendição para o Estado, e deve ser ajudado e cuidado para que as exigências materiais ou pressões psicológicas não limitem sua divina dação a seus concidadãos, menos afortunados pelas mais antigas Musas (Livraga).

 

XIV – BIBLIOGRAFIA:

1) Ideal Político – Jorge Angel Livraga
2) As Leis – Platão
3) A verdadeira poesia – Jorge Angel Livraga
4) Metafísica do Belo – Arthur Schopenhauer
5) Paidéia – Werner Jaegger
6) A República – Platão
7) Crítica da faculdade do juízo – Imannuel Kant
8) Fedro – Platão
9) Bastion 248 – Délia Guzmán

Poesias transcritas:

a) “A melhor poesia” – Amado Nervo
b) “Ponte” – Amado Nervo
c) “Deus te livre poeta” – Amado Nervo

 

“ A sujeira que se varre
não deixa de ser sujeira,
Por mais que pelo ar suba
sujeira será no ar”

Carlos Encina