KEN WILBER. O ABRAÇO DO ORIENTE E DO OCIDENTE

Chamado Einstein da consciência, é considerado como o grande teórico da Psicologia transpessoal, ramo da psicologia que surgiu no final dos anos sessenta e que se caracteriza por contemplar as experiências espirituais, negadas ou ignoradas pela Psicologia ortodoxa.
Vida e obra
Ken Wilber nasceu em Oklahoma, Estados Unidos, em 1949. Como seu pai trabalhava no Exercito, viveu em vários lugares durante a infância. Terminou os estudos secundários em Nebraska. Inicialmente interessou-se por Medicina, mas depois de anos de estudos, percebeu que o que realmente o interessava era algo mais criativo. Ele acreditava que este algo poderia estar na Bioquímica, que deixava um campo mais amplo de investigação e, finalmente graduou-se em Bioquímica na Universidade de Nebraska.
Contudo, mesmo finalizando com boas notas seu curso, compreendeu que nem a Medicina nem a Bioquímica nem a Ciência poderia lhe responder as eternas perguntas: Quem sou eu? Qual é o sentido da vida? Por que estou aqui?
Então começou a estudar com entusiasmo Psicologias e Filosofias das grandes tradições do Oriente e Ocidente. (…) Estive dedicando a minha vida ao estudo das ciências só para chegar à lamentável conclusão de que, sem estar errada, a ciência possui, todavia uma perspectiva brutalmente limitada e estreita. (…) Wilber mais tarde criticará em suas obras, não a ciência em si, mas a tentativa da ciência de monopolizar toda realidade (cientifismo).
Deixou o doutorado e começou a lavar pratos, para garantir seu sustento material, que lhe possibilitaria realizar seu sonho: dedicar-se à investigação da consciência e publicar livros. Seus professores da faculdade ficaram horrorizados. Aos 23 anos escreveu seu primeiro livro, O Espectro da Consciência, que teve uma grande aceitação. (…) Durante os cinco anos seguintes continuou lavando pratos, servindo mesas, trabalhando numa loja e escreveu mais cinco livros. (…)
Esta estória de que atrás de um grande homem há uma grande mulher, não deixa de ser verdade, no caso do nosso autor. No livro Graça e Coragem, seu trabalho mais pessoal, Wilber narra o fato mais importante de sua vida: o encontro com a mulher, que seria sua esposa, Treya, e o périplo vital que supuseram os seguintes anos, quando nela detectaram sucessivos cânceres que a conduziram finalmente a morte em 1989.
Apesar disso, a obra de Wilber não pode se limitar unicamente à psicologia, pois é muito mais a obra de um autentico filósofo atual, sendo a psicologia um dos diversos ramos do conhecimento que a sua obra cobre.
Em seus estudos encontram-se referências aos grandes filósofos e místicos, tanto do Oriente como do Ocidente. Platão, Buda, Plotino, Shankara, Ibn Arabi, Maharsi, assim como os grandes pensadores da modernidade ocidental como Kant, Hegel, Freud, Jung, Piaget, Habermas e muitos outros.
Kem Wilber não se dedica aos estados transpessoais (os que vão além da personalidade ou do ego) de um ponto de vista unicamente teórico, mas também experimental, uma vez que, após mais de duas décadas de prática do Budismo Zen, além de outras disciplinas, havia alcançado um grau considerável de desdobramento nos níveis transpessoais, ainda que nunca tenha se considerado um mestre espiritual, mas um pandit, um estudioso, e às vezes praticante, das disciplinas espirituais.
A obra de Wilber se constrói a partir do que ele chama de generalizações orientadoras, que são as verdades amplas dos diferentes campos do saber humano – Física, Biologia, Psicologia, Sociologia, Filosofia, Teologia, etc. –, sobre as quais existe um acordo quase total. A partir daí, procura construir um modelo da realidade que seja realmente compressivo, que envolva as mais diversas teorias sobre o homem e o Universo que apareceram na História, que as limpe de suas limitações e integre suas verdades num modelo maior que a realidade, que além das verdades da ciência leva em conta também as da philosophia perennis.
Em suas obras encontramos um enorme desdobramento de equanimidade, e diferente de outros grandes autores, a exposição do seu relato é simples, metódico e muito accessível para o leitor.
Holons, Hierarquia e a Grande Cadeia
O Universo é holônico. O que isso significa? Que é constituído por totalidades-partes. Um holon é algo que constitui uma unidade em si mesmo e ao mesmo tempo é uma parte de um conjunto maior. Usemos como exemplo uma letra. Uma letra é uma unidade em si mesma, mas ao mesmo tempo é parte de uma palavra, que é uma unidade em si mesma e uma parte de uma frase, totalidade em si e parte de um parágrafo. Outra série holônica seria a formada por átomo-molécula-célula-órgão-corpo, onde cada elemento é uma unidade em si mesma, ao mesmo tempo que uma parte do subseqüente sistema transcende as partes e também as conserva. Um ser humano é também um holon, pois é uma unidade em si mesmo (composto de muitas partes) e ao mesmo tempo uma parte de uma realidade maior.
Os holons têm quatro movimentos ou capacidades, dois verticais e dois horizontais. O primeiro dos impulsos horizontais é a individualidade, que é a tendência dos holons conservarem sua totalidade, sua unidade, sua atividade própria diante das pressões do meio. A outra tendência horizontal é a harmonização, que é a tendência a conservar a parcialidade, o impulso a seguir sendo parte de uma unidade maior. As capacidades verticais são a autodissolução, que ocorre quando um holon fracassa em conservar a sua individualidade, ou as relações que mantém com outras individualidades, e se desagrega em subholons, que o compõem (as células se descompõem em moléculas, que por sua vez se desagregam em átomos); pelo contrário, a autotranscendência é o impulso para crescer, evoluir um processo que incorpora o que já existia e lhe agrega elementos novos (por exemplo, o cérebro humano consta do talo reptiliano, ao que se agrega o sistema límbico, que agrega ou neocortex).
Os holons não estão dispostos ao acaso, como produto de uma mera casualidade. Wilber recupera a idéia de hierarquia (hieros: sagrado; archos: governo), da forma natural como o Cosmos se organiza. O homem não pode subtrair-se, por mais que queira, desse principio organizador. Wilber distingue as hierarquias em naturais e patológicas. Uma hierarquia natural é simplesmente a ordem evolutiva que vai do átomo à molécula, e desta à célula, num processo de crescimento para sistemas cada vez mais holísticos e integradores. Uma hierarquia patológica ou de domínio ocorre quando um holon não ocupa o lugar que lhe corresponde e trata de tiranizar os demais (exemplo, uma célula cancerosa no corpo ou um tirano na sociedade).
Assim, chegamos à Grande Cadeia do Ser, legado das grandes tradições espirituais da Humanidade (philosophia perennis), segundo a qual o Cosmos se compõe de diversos estratos de realidade, que vão do mais rude ao mais sutil, chegando finalmente a Deus (o Espírito) fundamento de tudo (aspecto imanente) e cume da evolução (aspecto transcendente). Cada nível superior transcende, ao mesmo tempo que inclui o inferior. Resumindo, podemos dizer que esta Cadeia se compõe de matéria, corpo, mente, alma e Espírito, o fisiosfera, biosfera, noosfera, teosfera e Espírito. Esses níveis do Ser são holons e organizam-se hierarquicamente. O mundo da matéria é transcendido pelo mundo biológico; assim um vegetal transcende, mas inclui a pedra. A intuição (alma) supera a razão (mente), mas a inclui numa totalidade de ordem superior. Podemos falar de níveis de Ser ou de níveis de Consciência. Todos os níveis da Grande Cadeia são importantes, mas obviamente cada nível mais elevado é mais real, mais verdadeiro, mais transcendente, pois é como um recipiente cada vez maior e mais completo do Espírito. Os níveis superiores vão emergindo através dos inferiores, mas isto não quer dizer que os inferiores sejam a causas dos superiores. Pelo contrário: o inferior vem do superior, mas seu desdobramento se faz através do inferior. Por exemplo, a mente se atualizará no homem depois do corpo, o que não quer dizer que o corpo seja a causa da mente.
O Homem Real (Self, Atman, testemunha), é basicamente uno com o Espírito, mas antes de alcançar essa Consciência da Unidade encarna em sucessivas vidas nas quais vai se aperfeiçoando. Assim, vai passando pelos diferentes níveis da Cadeia, identificando-se e desindentificando-se sucessivamente à medida que progride com a matéria, a vida, a mente, e em alguns indivíduos, a alma e o Espírito. O espectro do desenvolvimento de um ser humano passa por três grandes etapas: pré-pessoal, pessoal e transpessoal; ou pré-egoica, egoica e transegoica; ou pré-mental, mental e transmental. O pré-egoico compreende o nascimento e a infância, até que vai surgindo uma certa consciência mental da própria identidade. Aí nasce o egoico, que na adolescência se manifesta plenamente e que com o passar dos anos vai amadurecendo até chegar a uma etapa existencial, em que a pessoa se pergunta sobre sua existência, e o por quê da vida. Esta seria, mas ou menos, a fronteira entre o egoico e o transegoico, a etapa final do pessoal e a ante-sala do transpessoal. O que chamamos transpessoal ou transegoico constaria por sua vez de vários níveis: psíquico (o nível de iogue ou de xamã), sutil (nível de santo), causal e não dual (níveis de sábio). Tudo isso, certamente, é um grande resumo. As sociedades atuais ajudam a chegar até o mental, pois ali está o centro de gravidade, seu nível evolutivo médio, mas não conduzem, inclusive, dificultam na maioria das vezes o acesso ao transpessoal (mundo da alma e do espírito).
A falácia pré-trans
A evolução do homem vai do pré-racional ao racional e daí ao transracional. O racional não destrói o pré-racional, mas sim o transcende e inclui. Quando no adolescente aparece a mente de maneira clara, nem por isso deixa de ter corpo, de alimentá-lo e cuidá-lo. Do mesmo modo, o transracional não faz com que toda a vida anterior deixe de ter sentido, mas sim que a razão comum se vê superada e incluída e o centro da gravidade da existência eleva-se e se faz mais real.
Wilber explica que como existe um domínio racional (que é o centro da gravidade de nossa cultura) e dois que não são racionais (um pré-mental e outro transmental), o olho inexperiente tende a confundir os dois e a considerar que ambos são a mesma coisa. Não há distinção entre o que é inferior à razão e o que é superior. É como confundir um pré-escolar com um pós-graduado pelo simples fato de que nenhum deles está na escola.
Podemos cometer um desses erros. Bem todo o transmental é reduzido ao pré-mental, nesse caso o superior inserido no inferior, e os grandes filósofos e místicos da História ficam reduzidos a psicóticos. Este é o erro cometido por Freud e pelo cientifismo do Ocidente. Por isso o apogeu do desenvolvimento é o mental, por nossa cultura ocidental atual. Bem, no extremo oposto, todo o pré-mental é convertido em transmental, com o qual o inferior converte-se automaticamente em superior e o narcisismo infantil converte-se em união mística. Esse erro Wilber atribui, em certas ocasiões, a alguns psicólogos junguianos, e à maioria dos entusiastas do New Age, que não vê diferença entre o pré e o trans.
A falácia pré-trans é importante porque nos permite distinguir o verdadeiro Mestre de um pseudo-guru vendedor de iniciações, ou entre uma comunidade transmental, como uma shanga budista e um grupo pré-mental, como uma seita. Afinal existem grupos pré-mentais que utilizam a literatura e as práticas transmentais e as destroem, criando confusões e conseqüentemente deturpando o conhecimento, que por outro lado, são as flores da humanidade.
Ken Wilber é explicito quanto os problemas que atualmente afligem a Humanidade. (…) A crise ecológica, o problema principal para a Gaia (Terra), não é a poluição, os dejetos tóxicos, o buraco do ozônio ou algo parecido. O principal problema de Gaia é que não existem suficientes seres humanos que tenham se desenvolvido até os níveis pós-convencionais, geocentristas e globais de consciência, que são os únicos que podem verdadeiramente ocupar-se das questões globais.
Os quatro quadrantes
Os quatro quadrantes são as quatro esquinas do Cosmos, as quatro faces dos sistemas. Baseiam-se em duas premissas: a primeira é que podemos ver todo o sistema de dentro para fora, pois todo sistema tem um aspecto exterior e outro interior. A segunda premissa é que podemos ver os sistemas na forma individual e coletiva. Se combinarmos essas facetas obteremos os quatro quadrantes.
Superior-esquerdo:
É o aspecto individual e interior dos sistemas, a consciência, o mundo dos sentidos internos, da estética, dos pensamentos de cada homem, sua história pessoal. Esse quadrante não pode ser visto, ouvido nem sentido de forma sensível. As idéias, os sentimentos, não se podem tocar com as mãos. Para conhecer uma pessoa temos que falar e interpretar o que ela diz, pois não podemos conhecê-la cientificamente. Wilber chama esse quadrante de intencional.
Superior-direito:
É o aspecto individual e exterior dos sistemas, ou seja, tudo aquilo que pode ser estudado e medido empiricamente. A ciência pode estudar o cérebro humano, por exemplo, e constatar que ele se compõe de determinadas partes, que possuem determinadas funções e que produzem determinadas reações bioquímicas. Wilber chama esse quadrante de comportamental.
Se for conectado um eletroencefalógrafo num iogue, enquanto ele medita, pode-se observar (quadrante superior direito) as alterações fisiológicas que ocorrem em seu cérebro (ondas alfa, beta, delta), mas o pesquisador não poderá conhecer as iluminações sutis que o iogue vivenciará em seu interior (quadrante superior esquerdo). Se desejar conhecer alguma coisa desta experiência, deverá falar com ele, ainda assim tudo o que poderá obter será uma descrição mental da experiência e não a experiência em si.
Inferior-esquerdo:
É o aspecto coletivo e interior dos sistemas. São os significados internos compartilhados, as culturas, as idéias compartilhadas pelos grupos. Cada homem numa determinada família com sua visão de mundo. A família por sua vez está integrada numa comunidade, numa nação, numa grande cultura, e a pessoa se vê configurada num mundo cheio de significados internos (não tocáveis nem mensuráveis). Este quadrante é chamado de cultural.
Inferior-direito:
É o quadrante coletivo e exterior dos sistemas. São todos aqueles aspectos de um grupo de sistemas que podem ser vistos externamente, de maneiras empíricas, objetivas, mensuráveis e quantificáveis. São, por exemplo, os sistemas de produção, o tamanho da população, a estrutura das idades dessa população, o nível tecnológico, os sistemas arquitetônicos, etc. É o chamado quadrante social.

Os quadrantes da mão esquerda são os do mundo da qualidade, do valor, enquanto os da mão direita são os da quantidade. A ciência, que se encarrega da mão direita (todo o empírico, mensurável, quantificável) não pode nos oferecer critérios de valor. O mal de nosso tempo é a colonização dos domínios da mão esquerda pelos da mão direita, a usurpação pela ciência e a técnica de todas as esferas da qualidade, que traz como resultado, um mundo chato, unidimensional, incolor, insípido, morto. A grande Cadeia do Ser reduzida a sua mais baixa expressão, a matéria.
Todos os quadrantes são igualmente importantes e não podem ser reduzidos a um eu particular. Todos se influenciam mutuamente. Há grandes teóricos de um determinado quadrante, mas geralmente não têm reconhecido a importância dos outros e finalmente suas teorias perderam notoriedade diante dos vazios inexplicáveis que deixaram. Por exemplo, Marx encarregou-se do coletivo externo e não reconheceu a existência dos quadrantes da esquerda (o interior) e converteu a Arte, as Leis, a Moral e a Religião em meras projeções da organização econômica. Wilber, em sua obra, busca resgatar o mais interessante das teorias dos grandes pensadores como Marx, Freud, Jung e muitos outros e ao mesmo tempo nos mostra quais são as partes de suas teorias que devemos rejeitar por serem incompletas ou insustentáveis.

Bibliografia
Gracia y coraje. Ken Wilber. Gaia.
Breve historia de todas las cosas. Ken Wilber. Kairós.
Una visión integral de la psicología. Ken Wilber. Alamah.
Después del Edén. Ken Wilber. Kairós.
Los tres ojos del conocimiento. Ken Wilber. Kairós.
Un Dios sociable. Ken Wilber. Kairós.
Gráficos de los 4 cuadrantes y de la Gran cadena del Ser