Os desígnios de Deus podem ser conhecidos? – Jorge Ángel Livraga

Este artigo foi escrito no ano 1985 e o autor usa o termo "homem" no sentido genérico, como "humanidade" ou grupo de seres humanos.

Este tema obriga-nos a estar atentos a um primeiro erro que costumamos cometer, mais ou menos cegos pelas religiões exotéricas que prevaleceram na nossa educação infantil. Um filósofo, como amante da verdade que é, deve evitar personalizar Deus.

“Aquilo” que nós, filósofos, chamamos de Deus, não tem propriedades nem podemos atribui-las. Como disse H.P. Blavatsky: se as vacas tivessem alguma forma religiosa e quisessem representar Deus, é evidente que o representariam com chifres. Não devemos esquecer que todas as religiões são formas exotéricas, adaptadas ao lugar e ao tempo, para beneficiar determinados homens. Assim, os hindus deram ao seu deus da sabedoria a cabeça de um elefante; os egípcios, cabeça de íbis. Também da mesma forma, o Buda entra no Nirvana com os olhos semicerrados, imaculado de toda sujeira e adormecido; o Cristo entra no Reino dos Céus, humanamente sujo e sangrando, depois de ter sofrido a última prova da dúvida, tendo como companheiros dois ladrões. Mas tudo isso é puro exoterismo; revestimento exterior de coisas mais profundas e misteriosas. Quando Platão disse que “jamais o vulgar será filósofo”, ele não cometeu nenhum erro social…; simplesmente disse a verdade. É preciso deixar de ser “vulgar” – isto é, “exotérico”- para chegar à verdade do esoterismo.

Vejamos também que não é fácil – nem muito menos – conhecer a verdade. Nem é difícil para “aqueles que estão preparados para isso”… Mas há tão poucos preparados… e há muitos que acreditam que estão… que preferimos deixar a verdade de Deus e dedicamos somente aos seus desígnios, isto é, suas vontades, seus éons e dáctilos, que são os que governam, certamente, a Terra e todos os seus habitantes.

“Dizer que os desígnios de Deus são um enigma é verdade se os percebemos em ciclos incomensuráveis ​​para nós, mas em escala humana, eles podem ser conhecidos; na prática do aqui e agora.”

Toda a ciência nada mais é do que o conhecimento dos desígnios de Deus. E esses desígnios não são anárquicos ou mutáveis, como se surgissem de uma gigantesca e caprichosa criança… Esses desígnios se repetem e o conhecimento de suas repetições e dos ritmos que os regem é o conhecimento das leis que regem todo o manifestado, neste plano dimensional ou em qualquer outro. “O que está acima é  como o que está abaixo”, diz o Caibalion.

Se eu sei que dois átomos de hidrogênio mais um de oxigênio, quando reunidos a uma temperatura favorável, formam a água, conheço um desígnio de Deus e esse desígnio se repetirá quantas vezes enquanto eu o evoque com a minha simples experiência química. Da mesma maneira, se o astrólogo percebe uma conjunção e paridade de movimento entre a estrela Regulus e o planeta Marte, ele pode prever problemas para os humanos… da mesma maneira que o químico pode prever água se colocar em contato dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, a uma temperatura adequada. Milagres não existem… Existem apenas os “prodígios” que são as manifestações das leis naturais e que, sem conhecê-las, o vulgar os chama de milagres. Por exemplo, um simples carro em alta velocidade, sem cavalos para puxá-lo, teria sido interpretado como um milagre na Paris do século XIII. E até certo ponto, teria sido, porque há um tempo para a manifestação de cada coisa e outro tempo para esquecê-la. Tais são os desígnios de Deus.

Sejamos muito cuidadosos em negar o “aspecto esotérico” das coisas e desconhecer que há quem o perceba e interprete. Não caiamos na superstição do vulgar, que não vai além da “letra morta” de um livro sagrado, mas interpreta como válido o simbolismo de seus sonhos sobre as coisas mais triviais… pela “razão suprema” que eles sonharam e não é uma interpretação de Platão ou Blavatsky. Esta forma de egocentrismo infantil, consciente ou não, deve ser suplantada por um estudo mais sério e responsável que diga não à superstição e sim à Magna Ciência[1].

Não é vaidade tentar saber o que vai acontecer amanhã, se forem usados ​​os instrumentos corretos. É natural que o ser humano se preocupe com seu futuro e com o futuro de suas obras; de seus filhos, de seus discípulos.

Vejamos que toda a Natureza já está planejada por Deus através de seus desígnios, de sua mente cósmica. Nós mesmos, seres humanos, somos uma forma dos “desígnios de Deus” e participamos mais ou menos ativamente da corrente da Vida; a qual, referindo-se às coisas humanas, se chama “História”. Não esperemos que a mão de Deus apareça para nós, como aparece para Adão na Capela Sistina. Esta é uma arte muito bela, mas se não se percebe que o dedo de Adão é do mesmo tamanho que o dedo de Deus, fiquemos com nossos manuais de pintura. E não vamos criticar aqueles que tentam alcançar o Espírito das coisas… porque criticaríamos uma forma dos desígnios de Deus.

Desta forma, diremos que os desígnios de Deus podem ser conhecidos e que é lícito fazê-lo se se tem conhecimento suficiente para fazê-lo, e um espírito filosófico que garanta a honestidade do procedimento e a publicação ou não de seus resultados. E reitero minha advertência do início: NÃO PERSONIFICAR A DEUS E NEM ATRIBUIR-LHE NOSSOS DEFEITOS NEM VIRTUDES HUMANAS.

Notas:

[1] Magia, no sentido do antigo conhecimento que foi preservado nas Escolas de Mistérios, que relacionavam o homem com os astros e o terrestre com o humano e o celeste.

Artigo publicado na revista "Nueva Acropolis", da Espanha, nº 125, do mês de Março de 1985