O meio para mover os corações tem como raiz a emoção, por brotos as palavras, a música são suas flores e o significado é o fruto.
A poesia é uma das expressões que chegou até nós do fundo dos tempos. Todas as civilizações da antigüidade cultivaram esta arte. Assim temos, por exemplo, na Suméria “O Poema de Gilgamesh”, que pela importância de sua mensagem transmitiu-se para civilizações sucessivas e nos chega procedente de uma recopilação feita com texto sumério, babilônico, assírio e hitita.
Também é destacável na Babilônia o chamado Enuma Elish, traduzido como “O Poema da Criação”, que nos relata a aparição do Universo de um tempo em que nada existia.
Na Índia, a monumental obra denominada “O Mahabharata”, que consta de duzentos e vinte mil versos recolhidos em dezoito livros. Este grande poema épico é provavelmente o mais extenso do mundo, e inclui um esboço do Ramâyana e o Bhagavad-Gîta ou Canto do Senhor, com os sublimes ensinamentos que Krishna outorga ao seu discípulo, o príncipe Arjuna.
Tradições chinesas nos relatam que sua poesia se originou com o Imperador Shu de Yu e foi posteriormente recopilada pelo sábio Confúcio. Do denominado “Livro da Poesia” diziam que nada o superava em manter as normas corretas de êxito e fracasso no governo, em mover o céu e a terra e em apelar aos espíritos dos deuses. Os reis antigos o usavam para “perpetuar os laços, aperfeiçoar a reverência, aprofundar relações humanas, embelezar a instrução rural e melhorar os costumes sociais”.
Este fato de relatar de forma poética os acontecimentos mais relevantes na história dos povos, como comemoração a seus heróis ou como forma de transmissão de conhecimentos e ensinos atemporais para as gerações posteriores, levou-se a cabo também no Ocidente. Na Grécia, a poesia foi a primeira forma literária, na Grã-Bretanha nos encontramos com os bardos celtas, e posteriormente foram os trovadores que recuperaram o trabalho de manter vivas as tradições ou relatar as façanhas obtidas.
A poesia exerceu através do tempo a função de guardar uma mensagem aparentemente centrada em determinados momentos da história, embora seu conteúdo supere, na maioria das vezes, os condicionantes temporais e oferece elementos valiosos, se sabemos interpretá-los e os adaptamos ao nosso momento atual.
Todos estes povos coincidem em nos dizer que suas grandes obras deveram-se a um “sopro inspirador” de origem divina. Dita inspiração se concebe como um contato, uma comunicação com uma Inteligência que nos utiliza para executar aquilo que não seríamos capazes de fazer por nós mesmos. Provavelmente por isso, muitas das obras pertencentes a estas civilizações estão precedidas por uma invocação a algum de seus deuses, segundo a natureza do trabalho a empreender, e os autores se dispunham a converterem-se em intérpretes, pelos quais devia passar a vontade destes seres superiores. Para converter-se nesse canal adequado, o homem deveria, antes, ter purificado sua personalidade, pois do contrário não poderia reproduzir com fidelidade aquilo que lhe transmitiram, as imagens perderiam nitidez, os pensamentos ficariam incompletos e a mensagem desvirtuada.
A mensagem poética
Por que esta mensagem se reveste de formas poéticas? Os ritmos e as rimas sempre foram utilizados com o prático fim de ajudar a memória na lembrança de arcaicos ensinos, pois nem sempre foram refletidas por escrito. Alguns desses ensinamentos corriam o risco de perder, pouco a pouco, seu sentido original, devido às próprias impressões daqueles que os recebiam, por uma modificação ou reorganização interior equivocadas. No emprego prático da linguagem prosaica, a forma não se conserva, não sobrevive à compreensão. Algo muito diferente ocorre com um poema, pois está expressamente feito para ser, indefinidamente, o que acaba de ser sem trocar jamais. Talvez por isso, os povos do passado escreveram seus feitos na forma de poesia.
A Tradição, envolta pelas belas formas da linguagem poética, chegou a nós, e o mistério dos deuses, o sacrifício dos heróis e a glória dos povos despertam novamente e revivem quando nossos olhos se deslizam linha após linha procurando em outros tempos outras formas de entender a vida, inundando-nos de um ar mais limpo e inocente.
Este sentimento, essa varinha que parece pulsar algum estímulo esquecido no mais profundo de nosso peito, nos aproximando de um estado mais elevado através do pensamento, é a poesia.
A verdadeira poesia é o Verbo com todos seus elementos maravilhosamente unidos entre si por correspondências secretas, que faz vibrar nossas cordas mais espirituais. Se um poema não faz nascer dentro de nós esse tipo de emoção, se apenas procurar sensações vagas, não se trata de verdadeira poesia.
O poeta
Dizia Confúcio: Procurar a sutileza das coisas é como tentar capturar o vento ou pegar uma sombra; difícil é encontrar um homem entre milhares que veja com clareza as coisas em sua mente, e já não digamos um, que seja capaz de passar essa clareza à boca e à mão, falando e escrevendo.
Explica-nos um texto taoísta que a poesia implica um talento especial que nada tem a ver com os livros, nem com os princípios da razão, e no entanto, a menos que um poeta tenha lido muito e investigado os princípios da razão detalhadamente, não chegará ao limite.
Com freqüência ocorrem reprovações ao poeta quanto a investigações, reflexões e meditações; mas quem pensaria em reprovar o músico quanto aos anos consagrados a estudar o contraponto e a orquestração? Não podemos esperar que a poesia exija menos preparação. Tampouco poderíamos reprovar um pintor por seus estudos de anatomia, de desenho e perspectiva. Mas quanto aos poetas, poderia parecer que têm que compor do mesmo modo que respiram. Isto é um engano, já que o poeta deve dar forma à expressão imediata que recebe da emoção. Não podemos esperar que unicamente através da sensibilidade se alcancem resultados ótimos, porque a sensibilidade é instantânea, não tem grande duração e o poeta se vê obrigado a solicitar a intervenção das suas faculdades de decisão e coordenação, não para dominar a sensação, mas para lhe fazer dar tudo o que contém.
Diz-nos Jinarajadasa que o poeta se vale das emoções, mas as expõe em termos racionais.
Ante um belo poema de certa extensão, são poucas as possibilidades de que um homem tenha conseguido improvisar de uma vez um discurso provido de contínuos recursos, de uma harmonia constante e de idéias sempre certas e que não mostrem sinais de debilidade. De todos os modos, para ser poeta é necessário algo mais do que técnica, uma virtude especial que não se analisa em atos definíveis e em horas de trabalho. Uma qualidade, uma espécie de energia individual própria que aparece nele e se revela em instantes de infinito valor, um pouco parecido ao que nos descreve Antonio Machado quando diz: A alma do poeta se orienta para o Mistério. Só o poeta pode olhar o que está longe dentro da alma, em turvo e mago sol envolto. Essa energia superior atua apenas por uns instantes, através de manifestações breves e fortuitas. Esses instantes, que podem chegar a lhe revelar as profundidades nas quais reside o melhor de si mesmo, não são fáceis transladar à linguagem comum que utilizamos para poder expressá-los.
O valor do poeta reside nesse trabalho, que é capaz de realizar, ao dar forma a um veículo de expressão, a esse formoso sentimento, quase fugaz, que chegou a invadir todo seu ser, e deste modo mostrar a outros homens que podem chegar a sentir-se identificados com sua obra, a beleza oculta na alma de cada ser humano.
Atualmente, as muitas preocupações materiais infelizmente ocupam o lugar principal na vida da maioria dos homens. Não é que a Arte já não interesse, mas foi relegada a uma posição secundária, dispensável. A Arte gosta, agrada aos sentidos, mas já não é tida como um alimento essencial para o espírito, uma fonte de inspiração. Hoje, as belas palavras caem no esquecimento, dão passo a uma linguagem “cotidiana” dirigida para conseguir um fim prático e concreto, e as imagens que se desenham em nossas mentes não deslizam emoções elevadas aos nossos corações, frios e solitários.
Não queremos dizer com isto que não tenha importância a linguagem que utilizamos todos os dias para nos desenvolver, mas também não nos limitemos exclusivamente a ela. Descubramos um mundo que permanece silencioso à espera de que nos aventuremos a chegar até ele.
Eu sou sobre o abismo
a ponte que atravessa;
Eu sou a ignota escala
que o céu une à terra.
Eu sou o invisível
anel que sujeita
o mundo da forma
ao mundo da idéia.
Eu, enfim, sou esse espírito,
desconhecida essência,
perfume misterioso
do qual é copo o poeta.
G.A. Bécquer
Bibliografia
– Teoría poética y estética, Paul Valéry.
– Creación artística y creación espiritual, Omraan M. Aïvanhov.
– Textos de estética taoísta.
– O herói cotidiano, Delia S. Guzmán.