TAURUS

Uma das figuras mais impressionantes do céu, pelo grande número de estrelas que a compõem, e por sua forma inconfundível, que lembra a cabeça de um touro com chifres.
Entre suas estrelas, encontra-se a vermelha Aldebaran, o aglomerado de estrelas das Híades e Plêiades. Sua origem é mesopotâmica, ainda que provavelmente seja mais antiga, já que indicava a passagem do Sol pelo equinócio de março, há cinco mil anos. Arato menciona a facilidade com que se pode distinguir:
Aos pés do cocheiro pode-se esquadrinhar, estendido, ao astuto touro: as estrelas estão dispostas de uma maneira muito semelhante a essa; com a cabeça perfeitamente delimitada. Não é necessária a ajuda de outra constelação para descobrir a cabeça do boi, que foi muito bem modelada pelas estrelas que giram ao seu redor. As conhecidas Híades espalham-se pela frente do touro. Uma mesma estrela ocupa a ponta de seu chifre esquerdo e o pé direito do vizinho cocheiro, e marcham arrastadas ao mesmo tempo, mas o Touro desce sempre mais rápido que o cocheiro para a outra borda do horizonte, ainda que tenham se levantado ao mesmo tempo.
Eratóstenes identificou esta constelação com vários touros da mitologia grega:
Diz-se que passou a fazer parte das constelações por haver levado Europa, da Fenicia até Creta, através do mar, de acordo com o que conta Eurípides em sua obra Frixo. Por tal ação foi premiado por Zeus e convertido em uma das mais brilhantes estrelas. Outros autores sustentam que se trata de uma vaca, uma réplica de Io. As chamadas Híades rodeiam a testa do Touro; junto ao dorso encontram-se as Plêiades, formadas por sete estrelas, também conhecidas como Heptásteras. Somente seis são visiveis, pois a sétima é de luz muito suave.
Eratóstenes vincula esta constelação ao mito do rapto de Europa. Europa era filha do fenício Agenor, rei de Tiro e de Telefasa. Zeus apaixonou-se por ela enquanto divertia-se na orla com umas amigas. O deus adotou a forma de touro (de cor branca com os chifres em forma de lua crescente) para que as moças se aproximassem ele. Quando Europa subiu em suas costas, Zeus começou a correr e a levou até Creta. Posteriormente, Zeus se uniu a Europa em um bosque de salgueiros que mantiveram para sempre suas folhas. Os irmãos de Europa: Cadmo, Fênix, Cilix e Taso foram enviados por Agenor para buscá-la, com ordens de não voltarem sem ela. Fênix e Cilix são epônimos de Fenícia e Cilícia, Taso é o nome de uma ilha do Egeo e Cadmo foi fundador de Tebas. Zeus e Europa tiveram três filhos: Radamantis, Sarpedon e o mítico rei Minos. Posteriormente, o deus a fez casar-se com Asterion, filho de Tectamo e rei de Creta. Após a morte de Astérion, seu enteado Minos ocuparia o trono. Esse mito coincide com o da sedução de Hera por Zeus, tendo ambos Creta como cenário. Talvez Europa tenha sido uma “sósia” de Hera, dupla versão de uma ancestral deusa minóica e/ou micênica.
O outro mito mencionado por Eratóstenes é o de Io, filha do deus fluvial Ínaco e da oceânide Melia e irmã de Foroneo, ainda que, segundo algumas outras versões, era filha de Yaso, Triopas ou Piren. Era uma sacerdotisa de Hera, pela qual Zeus se apaixonou, através dos feitiços de de Inge, filha de Eco. Após unir-se a ela, transformou-a numa vaca para que sua esposa não descobrisse sua infidelidade. Mas Hera não se deixou enganar e a pediu de presente a seu marido. Depois, Hera a levou aos cuidados de Argos Panoptes, o dos cem olhos. Contudo, Hermes, seguindo instruções de Zeus, conseguiu, com uma flauta, fazer o gigante dormir e assim o matou. Hera, como vingança, mandou um mosquito gigante incomodar continuamente a vaca, e essa fugiu, passando por Dodona, o mar Jônico (chamado assim em seu nome) e pelo Bósforo (passagem da vaca), até chegar no Egito, onde Zeus lhe devolveu a aparência humana, e governou Menfis. Teve dois filhos: Epafo e Libia.
Há quem defenda uma origem cretense para essas constelações, devido não só ao mito de Europa, mas também pela grande importância que tinha o touro na sociedade minóica, objeto central de inúmeros cultos e mitos. De qualquer forma, não está claro se a relação das constelações com o mito deve-se ao fato de que os gregos a tomaram dos cretenses, ou se simplesmente trata-se de uma forma de associar uma lenda greco-latina a uma constelação alheia à cultura grega. Seguramente, sabemos que os mesopotâmicos conheciam essa constelação antes dos gregos (nem Hesíodo nem Homero menciona o Touro, somente as Híades e as Plêiades). A segunda explicação nos parece mais provável, a não ser que se trate de uma constelaçao conhecida desde tempos pré-históricos, em uma grande parte do mundo, como sugerem alguns estudiosos.
Como dizíamos no princípio, essa constelaçao é possivelmente de origem mesopotâmica. Aparece nas tábuas Mul-Apin, como uma das dezoito constelações zodiacais com o nome de Gud-na-na, o touro celeste, um dos três deuses mais importantes da mitologia suméria, talvez o principal antes de 3000 a.C., ainda que sua importância tenha declinado em favor de Enlil. Os babilônios e asírios associaram essa constalação a outro deus: Adad (Ishkur para os sumérios), o deus da tempestade e/ou trovão, que era representado sustentando um raio em uma mão e um machado na outra, de pé sobre um touro. Adad estava vinculado à deusa Shala, era filho de Anu (An dos semitas) e serviu a Enlil durante o dilúvio para exterminar a humanidade. Esta divindade foi extremamente popular no Oriente Médio e exerceria uma influência importante em outras culturas. Nos kudurrus, este deus aparece representando a constelação de Tauro como um touro com um raio duplo em seu dorso. Tauro aparece no episódio de Gilgamesh e o Touro Celeste, esse episódio remonta aos tempos da III Dinastia de Ur, durante o chamado renascimento sumérico (2100-200 a.C. aproximadamente). A Epopéia narra como Gilgamesh e seu amigo Enkidu matam o legendário gigante Humbaba, guardião de um bosque, onde a deusa Inanna, apaixonada por Gilgamesh, tenta seduzi-lo. Ele a rechaça de forma desprezível. Inanna, sentindo-se desprezada, solicita a Anu que mande o Touro Celeste para castigar o herói. Anu dá vida à constelação, que se transforma num terrível animal, causando estragos na cidade de Uruk. Por fim, Enkidu e Gilgamesh o matam, para grande aborrecimento de Ishtar. Os deuses sumérios não podiam deixar isso acontecer, em troca pela afronta, decretam a morte de Enkidu, que deu início à odisséia vivida por Gilgamesh, em busca do remédio que devolveria a vida ao seu amigo.
Possivelmente, estamos diante de uma constelação cuja origem remonta-se à pré-história. Para reforçar esse feito, temos a referência, na cultura mesopotâmica, do touro com a primavera e do leão com o verão. Esta relação parece ter uma origem astronômica, quando o equinócio de primavera acontecia com o Sol na constelação de Tauro e o solstício de verão na constelação de Leão. Essa conexão manteve-se viva no Império Romano, até o auge do cristianismo, como a religião mitraica, cujo eixo central era a tauromaquia, o deus matando um touro. Mitra era o deus iraniano do Sol, representado como um leão, do qual temos um paralelismo com as cenas mesopotâmicas da luta entre o leão e o touro.
Outros propõem ir inclusive mais além do tempo e identificam as pinturas rupestres de Altamira ou Lascaux com mapas celestes, nos quais pode-se ver a figura de um touro (na realidade um Auroch, o antepassado do bisonte). Essa hipótese não é tão descabida assim, pois afinal, é certo que as estrelas causaram uma fascinação especial nas populações pré-históricas. O investigador alemão Michael Rappenglück sugere o ano 15300 a.C. como possível data para a criação das pinturas, pois as Plêiades marcavam o equinócio de outono. Muitos pesquisadores apelam à teoria do Touro pré-histórico para explicar a conexão de certos mitos em distintas mitologias, já que em sua forma atual, a constelação representa somente a parte dianteira do animal, mas se pensarmos em sua origem pré-histórica, a figura pode estender-se por uma grande parte do céu, ainda que não esteja muito claro desde onde. Alguns proprõem que tanto a Ursa Maior como a Menor podem considerar-se a partes traseira do animal, o que explicaria a tradição egípcia, que vê nessas constelações, uma pata de boi.
Simbolicamente, Tauro representa a força evolucionada de Aries, ou seja, a força agressiva primaveril do carneiro com maior intensidade. Também integra as funções de fecundação e criação, o mesmo em seu aspecto vitorioso e em sua imolação.
Juan Carlos del Río

Bibliografia
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